Diário de Pernambuco
Estamos diante de uma agenda complexa para a educação brasileira. O ministro da Educação, Ricardo Vélez, coloca, de maneira acertada, a educação básica como prioridade. Por outro lado, no seu discurso de posse, enfatizou: “Combateremos com denodo o marxismo cultural, hoje presente em instituições de educação básica e superior. Trata-se de uma ideologia materialista, alheia aos nossos mais caros valores de patriotismo e de visão religiosa do mundo”. Temas como escola sem partido e identidade de gênero tomam conta de boa parte da mídia educacional. Entendo que a escola pública deva ser laica, tanto no aspecto político como no religioso, a que se refere mais diretamente tal termo. Contudo, todas essas questões absorvem muita energia, enquanto 55% das nossas crianças, no 3º ano do Ensino Fundamental, boa parte delas com 9 anos de idade, não sabem ler, contar e escrever adequadamente.
Outro aspecto importante: a oferta da educação básica é de responsabilidade direta dos estados e dos municípios; consequentemente, isso vai exigir do Ministério da Educação (MEC) um trabalho em colaboração para o enfrentamento dessas e de outras questões igualmente relevantes, como a continuidade da implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), sem falar na formação de professores para esse novo currículo.
Ao colocar acertadamente a educação básica como sua prioridade, e, pelo que já li, muito na linha do enfrentamento dos baixos índices de aprendizagem escolar, o ministro Vélez vai precisar de um esforço nacional que inclua as universidades. Como sabemos, a qualidade do professor é o fator mais importante para alavancar a melhora da aprendizagem – e quem forma os professores são as universidades. Se não mudar a formação, não avançaremos.
Tem também colocado, no seu discurso, com muito acerto a necessidade de melhorar a eficiência da gestão das universidades públicas, e de um olhar cuidadoso sobre a qualidade da oferta privada do ensino superior. O país tem ainda um baixo percentual de jovens de 18 a 24 anos no ensino superior, próximo a 19%, enquanto em países vizinhos, como Argentina e Chile, o percentual é de mais de 30%. Aqui, no Brasil, o ensino a distância tem sido a saída para promover a expansão do ensino superior.
Será preciso também ampliar as matrículas na educação profissional e tecnológica, de forma que os jovens egressos do Ensino Médio possam ter maiores chances de ingressar no mundo do trabalho. Apenas 22% dos jovens que concluem essa última etapa da educação básica vão para o ensino superior. É preciso pensar no que fazer com os 78% restantes!
Se tudo isso não bastasse, o país precisa trazer a educação do século XXI para as nossas escolas. Não me refiro aqui aos recursos tecnológicos, como internet, banda larga e tablets. No mundo atual, isso representa apenas o ponto de partida, e não de chegada. Refiro-me a uma educação capaz de desenvolver as competências exigidas pelo novo mundo do trabalho, tais como criatividade, pensamento crítico, abertura ao novo, colaboração e comunicação, entre outras. Refiro-me, portanto, à oferta de uma educação plena na própria concepção posta no artigo 205 da Constituição Federal: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
Costumo dizer que a educação brasileira é como um espadachim que precisa esgrimir com os dois braços: um deles para resolver questões do passado ainda não resolvidas, como a alfabetização das nossas crianças até os 7 anos de idade; o outro para trazer a educação do século XXI para as nossas escolas.
O MEC, os estados e os municípios terão grandes desafios pela frente: precisam agora definir onde vão colocar suas energias para mudar de fato a educação deste país.
Mozart Neves Ramos é diretor do Instituto Ayrton Senna e membro do Conselho Nacional de Educação. Foi reitor da Universidade Federal de Pernambuco e secretário de Educação de Pernambuco.