Temperaturas extremas demandam mudanças arquitetônicas para proteger humanos

Izabella Almeida/Correio Braziliense – Ao menos 85% da população mundial é afetada pelas mudanças climáticas, estima um levantamento do Instituto Mercato. Dias muito quentes, longos períodos de seca e chuvas torrenciais são apenas alguns dos fenômenos cada vez mais recorrentes e aos quais a humanidade terá que se adequar para manter qualidade de vida. Para ajudar nessa adaptação, tem crescido, entre os cientistas, a busca por maneiras mais estratégicas de edificar espaços urbanos. Os estudos indicam, por exemplo, o impacto de construções bem pensadas na redução dos efeitos de ilhas de calor e como o melhoramento das gestões pode impulsionar o surgimento de ambientes sustentáveis.
Publicada, neste mês, na revista Buildings, uma pesquisa da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos Estados Unidos, mostra como as árvores podem ter um grande efeito de resfriamento nas áreas urbanas. Os cientistas também notaram que prédios mais altos construídos em ruas estreitas e um tipo de pavimentação que reflete com maior eficiência a luz do Sol são capazes de diminuir a temperatura nesses locais.
Para chegar às conclusões, eles usaram informações da cidade de Filadélfia em um modelo que simulou 24 horas dos impactos, em cada bairro, de características de inverno, primavera, verão, outono, calor e frio extremos. Outra constatação foi a de que os efeitos costumam ser ainda piores para moradores de regiões mais vulneráveis. “O aquecimento global torna alguns habitats humanos insuportavelmente quentes, mas ainda mais para comunidades social e historicamente desfavorecidas”, afirma em nota, o líder do trabalho, Guangqing Chi.
Charles Dayler, engenheiro agrônomo e consultor ambiental, observa que o prolongamento do tempo de estiagem também vai influenciar na intensificação dos fenômenos abordados no estudo, e que essa variação gera grandes consequências, incluindo mortes. “Falando de conforto térmico, as temperaturas também sobem na seca. Assim, no espaço urbano, terá maior incidência de calor, que fica preso, formando as ilhas. Nas regiões muito urbanizadas, esse excesso fica retido, dando uma sensação de temperatura ainda mais alta”, detalha.
Segundo a arquiteta e urbanista Marcela Carneiro Bernardo, atualmente, as maiores cidades, sobretudo as capitais, estão tomadas por prédios, com pequenas áreas arborizadas, uma configuração que fortifica os problemas climáticos. “Sem contar os edifícios com fachadas espelhadas e as ruas asfaltadas, que estão entre os principais fatores do aumento da temperatura. No caso de precipitação, nem sempre há planejamento urbanístico suficiente para evitar que chuvas extremas nos afetem”, detalha.
Entre as iniciativas para minimizar essas questões, está o incentivo à construção verde, que leva em consideração sustentabilidade social, ambiental e econômica, além da vida útil da obra, narra Carneiro. A engenharia também se integra nesse meio, para que as execuções sejam eficazes tanto na parte de materiais empregados na edificações quanto na questão energética, segundo a arquiteta. Existem ainda elementos ecológicos, indispensáveis no processo de construção verde, como madeira de área reflorestada, concreto reaproveitado da demolição e plástico reciclado.
Cimento
Foi pensando na utilização de materiais que não prejudicam a natureza que cientistas da Universidade de Rice, no Texas (EUA), conseguiram desenvolver um composto ecoeficiente que substitui, de maneira parcial, o cimento, cuja produção é responsável por cerca de 8% das emissões anuais de dióxido de carbono em todo o planeta.
O produto, detalhado em março na revista Nature Communications Engineering, pode desempenhar um papel-chave na redução de gases do efeito estufa, segundo os criadores. Durante os testes, o grupo conseguiu trocar 30% do cimento usado para fazer um lote de concreto por cinzas volantes purificadas, produzidas através do carvão.
A substituição melhorou a resistência do concreto em 51% e a elasticidade, em 28%. Também reduziu as emissões de gases de efeito estufa em 30% e de metais pesados, em 41%. “Você pode usar menos concreto se usar cinzas volantes de carvão (…) É uma grande vitória para o meio ambiente. Você está reduzindo as emissões e não está liberando metais pesados no processo”, enfatiza, em nota, Bing Deng, um dos autores principais do estudo.
Energia
Também devido à variação de temperaturas em ambientes urbanos, cientistas acreditam que será necessário preparar as redes elétricas para responder às novas demandas da população. Conforme um estudo da Universidade de Lund, na Suécia, publicado, em abril, na revista Nature Energy, eventos climáticos poderão causar uma diminuição de 30% na confiabilidade do serviço, quando a energia é fornecida com eficiência. Por outro lado, o aumento de consumo deverá variar de 20% a 60%.
O grupo liderado por Vahid Nik criou uma plataforma para unir modelos climáticos, de construção e de eletricidade a fim de simular como seria feita a transição energética entre centros urbanos. Os resultados apontam que os espaços com alta densidade, suscetíveis ao surgimento das ilhas de calor urbanas, tornam as cidades mais vulneráveis aos fenômenos climáticos extremos, especialmente no sul da Europa.
“Por exemplo, a temperatura externa pode subir 17% enquanto a velocidade do vento cai 61%. O adensamento urbano pode tornar a rede elétrica mais vulnerável. Isso deve ser levado em consideração ao projetar sistemas de energia urbana”, declara, em nota, Kavan Javanroodi, professor de construção e física urbana da Universidade de Lund.
Segundo Dayler, a tendência é de que esses processos se intensifiquem. O consultor ambiental acredita que, com a intensificação dos problemas climáticos, haverá, no Brasil, maior incidência de períodos de estiagem e, na época chuvosa, precipitação de grandes volumes em curtos espaços de tempo. “Quando a gente enfrenta um tempo de chuva muito rápido, a água escoa e não tem tempo para infiltrar no solo, o que afeta as reservas e o abastecimento de água doce na seca. Nós temos que nos preparar para isso”, alerta.
Aprendendo com a natureza
A própria natureza serve como um espelho para que humanos façam construções mais sustentáveis, indica uma pesquisa publicada, neste mês, na revista Frontiers in Materials. O estudo, desenvolvido por cientistas da Universidade de Lund, na Suécia, detalha como cupinzeiros de espécies consideradas construtoras podem servir de inspiração para a criação de edifícios com clima interno confortável, sem a necessidade de instalação de ar-condicionado.
Conforme o artigo, a seleção natural agiu, ao longo de milhões de anos, para que os cupins melhorassem o design de suas casas. Os cupinzeiros, onde vivem mais de 1 milhão de animais, são construídos com uma complexa rede de túneis interconectados. E esse conhecimento pode ser usado para criar fluxos de ar, calor e umidade de maneiras inovadoras na arquitetura humana, acreditam os autores.
“Mostramos que o complexo de saída, uma intrincada rede de túneis interconectados encontrados em cupinzeiros, pode ser usado para promover fluxos de ar, calor e umidade de maneiras inovadoras na arquitetura humana”, afirma, em nota, David Andréen, primeiro autor do estudo. A expectativa do grupo é de que avanços tecnológicos, com a impressão 3D, ajudem no desenvolvimento de projetos tão eficientes quanto estruturas da natureza. “Estamos à beira da transição para uma construção semelhante à natureza: pela primeira vez, pode ser possível projetar um verdadeiro edifício vivo e respirante”, aposta o coautor Rupert Soar, da Nottingham Trent University.
Segundo o arquiteto e urbanista Frederico Flósculo Barreto, professor da Universidade de Brasília (UnB), existem movimentos antigos da arquitetura que buscam o equilíbrio com a natureza. Porém, sozinhos, os profissionais da área não são capazes de fazer essa adaptação, reforça o especialista. “É preciso incentivo. Sem clientes, as arquitetas e os arquitetos pouco podem fazer. A verdade é que já sabemos projetar para o futuro. Sabemos perfeitamente como é indesejável ter cidades gigantescas com milhões de habitantes. Fazemos imensas concentrações de sub-habitação ao lado de bairros de pura ostentação sem nos importarmos com a insustentabilidade ambiental e econômica desse modelo.” 
Duas perguntas para / Angelina Nardelli Quaglia, mestre em arquitetura e urbanismo
A arquitetura no Brasil tem se adaptado ao clima local e seguido a necessidade de inovação devido às mudanças climáticas?
O Brasil tem um grupo de arquitetos muito bons, que produziu, desde a década de 1970, uma arquitetura que condiz com o clima, que é respeitosa e que evita ao máximo a utilização de ventilação artificial e tem um inteligente uso do vidro. Mas atualmente, aqui em Brasília, por exemplo, observamos o aumento de construção de casas que não têm muitas aberturas e, quando têm, não são bem protegidas. Elas não condizem com nosso clima, a ponto de os arquitetos utilizarem ar-condicionado em excesso, coisas que não estão de acordo com o século 21. São projetos ruins para o nosso país.
É possível realizar adaptações arquitetônicas sem que os custos sejam muito altos?
O bom projeto é viável, ele não precisa ser caro, tem que ser bem pensado. Um projeto de habitação para uma pessoa de baixa renda e um de alto custo devem ser pensados da mesma maneira. O de baixo custo também merece sombreamento, ventilação, contenção de calor, merece estar em um lugar arborizado e sustentável, condizente com a ideia de cidades inteligentes. O que vai variar nesse valor é o tipo de material. O custo do raciocínio arquitetônico existe em qualquer caso, mas há formatos de construção que permitem uma variedade de valores. Os custos das adaptações vão depender da criatividade do arquiteto, que vai juntar as ideias da adaptação em um bom projeto, respeitando o valor que o cliente tem em mãos. Quanto mais o profissional conhece de arquitetura e clima, melhores serão os projetos. Quanto menos conhecimento, mais erros repetidos acontecerão, como uma bela estética, mas baixa funcionalidade da obra.