Diário de Pernambuco – As mudanças feitas no teto de gastos, no fim do ano passado, minaram a credibilidade da política fiscal do atual governo, de acordo com Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central, ex-ministro da Fazenda e ex-secretário da Fazenda e do Planejamento do estado de São Paulo, hoje coordenador do programa econômico do pré-candidato João Doria (PSDB), ex-governador paulista.
“Não desestruturou o teto. Desestruturou a política fiscal”, afirma Meirelles, que liderou a equipe responsável pela elaboração da emenda constitucional que criou a regra, em 2016, ao ser questionado sobre a antecipação da modificação orquestrada pelo governo e aliados no cálculo no teto. A alteração deveria ocorrer apenas em 2026, e, combinada com a pedalada dos precatórios previstos neste ano, abriu mais de R$ 100 bilhões de espaço para gastos em ano eleitoral.
Para ele, a política fiscal foi desmoralizada e a inflação está mascarando a realidade, apesar de a equipe econômica e o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, insistirem no discurso de que o governo não abandonou o caminho da consolidação fiscal. “O teto de gastos continua com a mesma força e, agora, evidentemente, a política fiscal precisa respeitar o limite de gastos. Isso é fundamental”, afirma. Ele ressalta que a atual política fiscal é “expansionista” e o Banco Central está sozinho no combate à inflação. Por isso, a carestia persiste afetando o bolso da população.
Meirelles compara a situação atual à de 2015, quando a inflação elevada ajudou a colocar o país em recessão. No entender dele, a situação agora é “similar”. “Naquela época, a incerteza foi de tal magnitude que levou a uma recessão. Agora, estamos, simplesmente, em uma estagflação: crescimento muito baixo e inflação elevada”, destaca.
Na avaliação do ex-ministro da Fazenda, será um desastre para o país ter mais quatro anos de governo Bolsonaro. “O país iria sofrer muito, caso ocorresse isso. Seria um desastre. E o problema é que a história nos diz que tudo que está ruim tem espaço para piorar mais”, diz. “Nós temos que evitar que isso aconteça, sem dúvida”, complementa.
Segundo Meirelles, o Brasil, sim, tem jeito. Como exemplo, cita a gestão dele à frente do BC, do Ministério da Fazenda, e, recentemente, no estado de São Paulo, que é responsável por mais de um terço dos empregos criados no país. “Acredito, sim, que o Brasil pode voltar a crescer e pode voltar a crescer de forma robusta”, afirma.
O ex-candidato à Presidência em 2018 pelo MDB e atualmente filiado ao PSD acha que ainda há espaço para uma terceira via e a tendência, segundo ele, é de mudança do atual cenário polarizado, quando a campanha se intensificar e as eleições se aproximarem. “As pessoas estão preocupadas com a inflação, estão preocupadas com o emprego, estão preocupadas em comprar, em se alimentar e em conseguir sustentar o consumo de suas casas e das suas famílias. O foco na eleição, hoje, está muito baixo”, frisa.
A seguir, a entrevista de Meirelles concedida ao Correio:
O teto de gastos foi adotado na sua gestão à frente do Ministério da Fazenda, em 2016. Hoje, há uma discussão grande, com vários candidatos dizendo que, se eleitos, não vão manter o limite para despesas. O atual governo já mudou muito essa regra. Como o senhor vê essa questão? É possível o Brasil, hoje, conviver sem o teto de gastos?
Não. Acho que, hoje, o teto é tão importante como era antes, quando fizemos, porque, devido às incertezas fiscais, inclusive, incertezas em relação ao cumprimento do teto e ao compromisso com ele estão levando a todos esses efeitos do mercado, às subidas de preço do dólar, que ainda está em patamar elevado. E tudo isso está causando essa inflação que temos hoje no país. É uma situação similar, talvez, na mesma agudeza que tínhamos em 2015. Naquela época, a incerteza foi de tal magnitude que levou a uma recessão. Agora, estamos, simplesmente, em uma estagflação: crescimento muito baixo e inflação elevada. Em uma situação como essa, o que é preciso é restaurar a confiança na política fiscal, na sustentabilidade fiscal do país a médio e longo prazos. E, para isso, é necessário restaurar completamente a credibilidade do teto de gastos. Não é uma opção. De fato, é uma atitude firme e é exatamente o contrário do que os candidatos (à Presidência da República) estão propondo. É preciso anunciar um compromisso firme com o teto de gastos. E, a partir daí, sim, eu acredito que poderemos ter uma restauração do nível de confiança, uma queda de indicadores importantes, inclusive, do valor do dólar frente ao real, e uma confiança de que a inflação vai ser controlada. E, com tudo isso, teremos condições de restaurar o crescimento do país. Em resumo: temos que fazer exatamente uma restauração da credibilidade, da confiança do teto de gastos. Esse é o caminho.
Esses mesmos candidatos alegam que é possível adotar um outro instrumento fiscal para substituir o teto de gastos. Esse instrumento existe? Qual seria?
Não existe. (Esses novos instrumentos) são exatamente fórmulas para poder gastar mais, em outras palavras. É o que eles chamam de “ter mais flexibilidade”. Flexibilidade (no teto) significa gastar mais. Um exemplo concreto: se fala em abrir exceção e tirar do teto os investimentos. Mas o caminho não é esse. A partir do momento em que se abre espaço para tirar os investimentos, você está tirando espaço para o crescimento de despesas obrigatórias. O que é necessário, na realidade, é outra coisa. É respeito ao teto, fazer a reforma administrativa para abrir espaço para os investimentos. Não só investimentos em infraestrutura, mas investimento no social, como, aliás, fizemos no estado de São Paulo. Fizemos uma reforma administrativa rigorosa. E o que aconteceu? Entramos o ano de 2022 com R$ 53 bilhões em caixa. Então, o estado, no momento, está executando oito mil obras e, ao mesmo tempo, fazendo programas sociais, como bolsa do povo, vale-gás, em nível estadual, e tudo isso com respeito ao teto de gastos. Portanto, é exatamente o contrário. Temos, sim, que fazer as reformas, principalmente, a administrativa. Também fizemos uma reforma fiscal e uma reforma da Previdência rigorosa (no estado). E, no governo federal, o que tem que ser feito é a reforma administrativa e tocar em frente a reforma tributária que está no Congresso. Mas não a reforma tributária apenas com o Imposto de Renda, mas uma reforma tributária ampla, tal qual foi apresentada pelos estados, por unanimidade. Com isso, sim, será aberto espaço no teto para poder fazer investimentos em infraestrutura e no social. E, ao mesmo tempo, você restaura a credibilidade para que os investimentos privados voltem e o país possa crescer, atraindo recursos internacionais. Hoje, existe muita liquidez no mundo, mas que, numa situação fiscal de incerteza, (o dinheiro) não vem para o Brasil. Temos de criar condições para os empresários nacionais se sentirem com mais confiança para aplicar recursos e investir. Esse é o caminho, de respeito ao teto de gastos e de fazer as reformas administrativa e tributária.
As mudanças feitas pelo governo no ano passado no teto de gastos, alterando a metodologia do cálculo do limite, não prejudicam a credibilidade desse mecanismo? Além disso, ao pedalar os precatórios, o governo criou uma dívida adicional enorme, que ainda não sabemos o tamanho… Esse monte de chaminés, não desestruturou o teto?
Não desestruturou o teto. Desestruturou a política fiscal. Não vamos confundir a desestruturação da política fiscal com a do teto de gastos. Alguém me perguntou em um evento: ‘Mas, com tudo isso que o governo está falando, o senhor não acha que desmoralizou o teto de gastos?’ Eu disse: ‘Não. Desmoralizou a política fiscal’. O teto de gastos continua com a mesma força. Agora, evidentemente, a política fiscal precisa respeitar o teto de gastos. Isso é que é o fundamental.
O governo está comemorando o forte crescimento da arrecadação, dizendo que a política fiscal está no caminho certo, da consolidação, mas o que vemos é que muito do resultado positivo que se tem visto é por conta da inflação. Política fiscal beneficiada por uma inflação alta é consistente?
Não é consistente. Essa foi a política fiscal que tivemos durante todo o pior período da economia brasileira, o da hiperinflação, quando o custo de vida chegou a atingir 2.000% ao ano. Essa era a forma de financiamento do governo. Mas isso desorganizou a economia e o país, como um todo, sofreu com isso. A situação também foi ruim em 2015 e 2016, quando nós tivemos, isoladamente, uma inflação elevada diminuindo o deficit público. Só que o país entrou em recessão. Em resumo: uma inflação elevada leva a uma recessão, e não resolve o problema.
E acaba criando uma obra de ficção. Tão logo a realidade cruel chega ou a inflação cai, vamos ver o desastre, como ocorreu com os bancos que viviam de receita inflacionária e quebraram lá atrás…
Exatamente. Mas a sociedade e o país como um todo já estão pagando o preço da inflação alta. Esse é o problema. O que eu acho é que a realidade é ruim. A inflação mascara, de um lado, as contas públicas, porque inflaciona exatamente a receita. Mas, obviamente, acontece isso como resultado da alta nos preços. Inflacionando os preços, atinge aquilo que a população consome. Então prejudica o consumo e o padrão de vida das famílias. Em última análise, desorganiza a economia. Isso é que é relevante. A inflação tem essa característica perversa de desorganizar a economia. Então, nós temos que levar todos esses fatores em conta com muito cuidado, porque tudo isso significa que o efeito líquido, o efeito final, real, da inflação é negativo para todos. E o fato é que a população, com isso, perde. E perde muito.
No que o governo está errando na questão da inflação? O Banco Central promoveu o maior arrocho que já se viu na taxa de juros desde o início do regime de metas de inflação, em 1999. De março de 2021 até esta semana, os juros devem subir mais de 10 pontos percentuais, de 2% para 12,75% ao ano. Por que a inflação não está caindo?
Porque o Banco Central está sozinho no combate à inflação. Está fazendo a contração monetária, subindo a taxa de juros, mas, ao mesmo tempo, está havendo uma expansão fiscal. Isso é contraditório, porque você tem duas forças, de um lado, a política monetária contracionista tentando segurar um pouco a inflação, e, do outro lado, uma política fiscal expansionista. Essas duas forças tendem a se anular. Então, é importante que exista uma consistência, isto é, a política monetária e a política fiscal atuem na mesma direção, como fizemos, por exemplo, em 2016 e 2017, quando tínhamos uma inflação elevada e recessão. O Banco Central aplicou uma política rigorosa, mas, com o teto de gastos, a expectativa de inflação caiu rapidamente, e isso, obviamente, fez com que se avistasse, aí sim, a queda da taxa de juros.
O senhor falou que o governo desmoralizou a política fiscal atual. Isso é resultado do populismo?
Sim. É exatamente isso. Num momento em que se faz essas coisas todas, como mexer no teto de gastos, mudar o período de verificação de inflação para o cálculo do limite da regra, tudo isso leva a esse efeito. O teto de gastos deixa de apresentar resultados.
O governo, agora, faz expansão fiscal do lado da receita, reduzindo imposto, já que a arrecadação bate recordes. Quais os riscos dessa política?
Os riscos são claros, porque é exatamente o que acontece, em termos clássicos, com inflação elevada. Tivemos tudo isso durante a hiperinflação, e que o Brasil viveu foi um dos piores momentos ao longo da história, na década de 1980, quando tivemos inflações elevadíssimas que, evidentemente, inflacionaram a receita. E o governo, levando isso em conta, começa a gastar os recursos provenientes da inflação. Isso agudiza o processo. O que o governo tem que fazer é o contrário. Tem que respeitar o teto, e, com isso, permitir que o Banco Central controle a inflação, e as receitas inflacionárias, evidentemente, vão cair. Por outro lado, o respeito ao teto permite um bom equilíbrio orçamentário e, o mais importante, os investimentos em infraestrutura e no social. Com as reformas tributária e administrativa e a economia organizada, temos condições de ter um avanço nos investimentos privados e no crescimento do país.
O presidente Jair Bolsonaro é candidato à reeleição. A inflação de 12% ao ano pode ameaçar a vitória dele? Ele também pagará o preço pela inflação alta? Não seria incoerente a população reeleger um governante que foi leniente com a inflação?
Esse raciocínio está absolutamente correto. Agora, ele está apostando, evidentemente, que os gastos eleitoreiros vão compensar o desgaste da inflação. Uma avaliação do ponto de vista realista diz que não. Mesmo as pessoas que recebem o Auxílio Brasil têm o valor desse benefício também erodido pela inflação. Existe um número vasto de pessoas, a maioria, que não recebe o auxílio. Elas também estão tendo os seus rendimentos erodidos pela inflação. Em resumo: é uma conta perdedora no final. Bolsonaro aposta que o auxílio, principalmente, em algumas regiões em que ele está mais fraco vai lhe permitir a reeleição. Mas acho que a inflação vai puni-lo eleitoralmente. Esse é o quadro, e vamos ver como, exatamente, ele vai decorrer nos próximos meses.
Então, o senhor acha que a inflação pode derrotar o Bolsonaro?
Acho que sim.
Olhando um pouco para a questão da desigualdade, que já era elevada e aumentou muito com a pandemia, como reduzi-la? Esse fosso entre ricos e pobres só será reduzido em um próximo governo?
Para reduzir a desigualdade, o país tem que crescer e criar empregos. O melhor programa social, o melhor programa de distribuição de renda, o melhor programa de diminuição de desigualdade que existe é a criação de empregos. Não tem dúvida. Esse é o caminho para o Brasil.
E o país se desviou desse caminho?
Pois é. A desigualdade se resolve com duas ações fundamentais. Primeira, a criação de empregos. As pessoas começam a trabalhar, a ter seus salários, e aqueles que estavam desempregados, onde está a raiz da desigualdade, melhoram o padrão de vida. Segunda, educação, que é um outro problema que estamos neste momento. Na educação você tem desde programas de treinamento e de qualificação do trabalhador, que aumentam a produtividade a curto prazo e diminuem a desigualdade também. E, a longo prazo, a educação é a verdadeira solução para a diminuição da desigualdade. É preciso aumentar fortemente a eficiência, o resultado e a qualidade do gasto em educação, além dos valores, para que, de fato, tenhamos uma solução de longo prazo para o problema da desigualdade. Isso, conjugado com o crescimento econômico e geração de emprego.
O senhor há de convir que a educação não é prioridade do atual governo. Estamos no quinto ministro…
Isso é um problema.
Com relação às propostas dos pré-candidatos, o líder nas pesquisas falava em revogar a reforma trabalhista. Agora, diz que vai revisá-la. Como vê isso?
Olha, eu acho que ele está mal assessorado, certamente. É algo que, num primeiro momento, tem a aparência de que o beneficia eleitoralmente, mas, na verdade, o prejudica. Porque os próprios trabalhadores vão entender que perdem sem a reforma trabalhista, pois aumentam os conflitos, cai mais ainda o emprego e se começa a ter problemas com os trabalhadores que hoje precisam ser incorporados ao mercado de trabalho, que são os de entregas e de compras eletrônicas. O que se tem que fazer é levar a reforma à frente e não voltar atrás. Isso (revogar a reforma trabalhista) é um erro grande, e é resultado de uma má avaliação.
O senhor fala de levar a reforma trabalhista à frente e incluir os trabalhadores como os de aplicativos. Esse seria o caminho?
Sim, porque isso está correto. São tipos de ocupações e de empregos que não existiam quando fizemos a reforma.
O senhor ressaltou a questão fiscal de São Paulo, que entrou 2022 com mais de R$ 50 bilhões em caixa e tem feito programas sociais importantes. Sabemos que um terço dos empregos que vêm sendo criados no Brasil estão em São Paulo. Por que o ex-governador João Doria, que é pré-candidato à Presidência, não consegue capitalizar isso e tem uma rejeição alta, inclusive, no estado que ele governou?
É difícil dizer. Eu acho que, com o tempo e o evoluir da campanha eleitoral, isso pode ser esclarecido. A população não tem uma visão tão clara dessa realidade. O fato é que tudo isso precisa ser levado, essa informação e essa visão, para o público mais amplo. E é exatamente o que será feito, no devido tempo, com a campanha eleitoral. Ele tem possibilidades grandes de melhorar o desempenho durante o curso da campanha, na medida em que as pessoas, de fato, passarem a prestar a atenção nas eleições. O que está acontecendo é muito simples. As pessoas estão preocupadas com a inflação, com o emprego, estão preocupadas em comprar, em se alimentar e em conseguir sustentar o consumo de suas casas e das suas famílias. O foco na eleição, hoje, está muito baixo. As pessoas não estão muito preocupadas com isso. Mas, em um certo momento, vão se preocupar e vão ter o foco na eleição. Aí, sim, todos esses fatores podem começar a ser levados em conta.
Na sua avaliação, ainda tem espaço para a chamada terceira via?
Eu acho que sim, exatamente pelo aspecto que eu estou dizendo. O eleitorado não está com a atenção voltada para a eleição. Se a pessoa não está pensando nisso e chega o pesquisador e pergunta em quem você votaria para presidente hoje, ela fala um dos dois nomes que conhece. Um que já foi presidente durante muitos anos e o Brasil cresceu naquela época e eu fui, inclusive, presidente do Banco Central; o outro, que é presidente agora. A maioria menciona um dos dois e não está acompanhando a campanha e sequer está informada sobre os candidatos da terceira via. Esse é o ponto fundamental que, eu acho, tende a mudar quando as pessoas tiverem a atenção voltada para isso.
João Doria admitiu que pode abrir um diálogo com o PT e até mesmo ser vice da senadora Simone Tebet (MDB). A prioridade, que ficou clara na avaliação dele, é derrotar Bolsonaro. Essa também deve ser a prioridade do país?
De fato, isso é um ponto importante. O país não vai bem. O país vai mal, e por diversos aspectos. E falamos aqui de dois aspectos fundamentais. Primeiro: o desenvolvimento econômico, seja no crescimento baixo, seja na inflação elevada, seja no desemprego elevado. E, segundo, o baixo investimento, resultado, em resumo, de uma má administração e de uma má gestão. Uma boa gestão é fundamental para o país. E tudo isso mostra que, de fato, a hora é de mudança.
Dado essa questão dos conflitos e dos choques das instituições e das tentativas de minar a democracia, vemos especialistas do seu porte dizendo que, neste momento, não tem que olhar para o teto de gastos e reformas, mas se preocupar com a democracia. Nesse sentido, o Brasil aguentaria mais quatro anos de Bolsonaro?
Eu acho que o país iria sofrer muito, caso ocorresse isso. Seria um desastre. E o problema é que a história nos diz que tudo que está ruim tem espaço para piorar mais. Esse é o ponto. Nós temos que evitar que isso aconteça, sem dúvida.
E em um eventual governo Lula, o senhor voltaria se fosse convidado? O senhor ficou oito anos à frente do Banco Central, um dos mandatos mais longevos…
Foi o mais longevo. Eu tenho uma postura a esse respeito que eu sempre segui em toda a minha vida profissional que é a seguinte: eu não tomo decisão por hipótese, caso aconteça. Eu tomo decisões sobre fatos concretos. Então, no momento, eu não penso nisso e não vou tomar decisão frente a uma série de vai acontecer isso ou aquilo. Agora, estou trabalhando na coordenação do plano econômico do Doria. Vamos em frente. No futuro, vamos ver exatamente qual será a realidade e tomar as devidas decisões de acordo com ela.
O Brasil tem jeito?
Certamente. Mostramos isso, por exemplo, não só quando estive no Banco Central e controlamos a inflação que estava muito alta naquela época e equilibramos a situação cambial, mas também, depois, quando assumi o Ministério da Fazenda, em 2016. Naquele ano, o Brasil estava em uma recessão e o PIB brasileiro, de junho de 2015 a maio de 2016, tinha caído 5,2%. Tiramos o país da recessão. De dezembro de 2016 a dezembro de 2017, o Brasil cresceu 2,2%. Ou seja, caiu 5,2% nos 12 meses anteriores até assumirmos o governo, e, depois que foram aprovadas as medidas fundamentais e durante aquele ano completo em que estivemos no governo com as políticas todas funcionando, o país cresceu 2%. Então, é possível sim. Acredito, sim, que o Brasil pode voltar a crescer, e de forma robusta. Foi um governo muito curto e houve um efeito importante.
Então dá para chamar o Meirelles de novo, citando o lema da sua campanha?
Vamos ver.
Recentemente, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, em uma conversa com empresários, disse que a política monetária de Roberto Campos Neto é melhor do que a sua à frente do Banco Central. Pode comentar essa provocação?
Olha, acho que o ponto é o seguinte: os números falam por si em relação à minha gestão, ao período em que estive no Banco Central. Se olharmos o período de 2005 a 2010, quando a política monetária já estava estabelecida, com a meta de inflação já fixada em 4,5%, naqueles cinco anos, a inflação foi exatamente 4,5%. E, durante todo o período em que estive no BC, o país cresceu 4%, na média dos oito anos. Mas, se pegarmos a média de 2005 a 2010, foi 5%. O mais importante, se olharmos a base disso, é que a política monetária e o efeito dela mantiveram a inflação na meta de 4,5% durante todo o período em que ela foi estabelecida, até 2010. E a média foi de 4,5%. Acumulamos quase US$ 300 bilhões em reservas internacionais. Quando assumi, o Brasil devia ao FMI (Fundo Monetário Internacional) US$ 30 bilhões e tínhamos apenas US$ 15 bilhões em reservas. Então, os números falam por si. Não preciso de grandes respostas, porque a realidade já responde.
Muitos falam que o governo Lula foi beneficiado pela alta dos preços das commodities, e que não soube aproveitar. As reservas cambiais que temos hoje decorrem disso, certo?
Sim. E mais: a alta da commodities está acontecendo agora. E isso não levou o país àquele crescimento e nem a controlar a inflação. Nada disso. E (a alta das commodities no governo Lula) foi num período em que enfrentamos a crise de 2008, que foi, única, com resultados catastróficos no mundo. E enfrentamos com sucesso. Em resumo: houve eventos positivos naquela época, e, depois, algo mais forte e negativo, que foi a crise de 2008. E enfrentamos situações positivas e situações extremamente negativas.
O mundo, hoje, vê o país com muitas reservas. O senhor acha que o mundo vai voltar a comprar o kit Brasil?
No momento em que façamos as coisas certas, e o Brasil começar a respeitar o teto de gastos, respeitar as regras fiscais, respeitar o meio ambiente, e o governo adotar um discurso consistente em outras áreas, como a questão sanitária, (o país recupera a credibilidade). Assim que o Brasil voltar a adotar esse discurso, será respeitado. No período em que eu estava no Banco Central, a revista The Economist publicou na capa o Cristo Redentor decolando feito um foguete. Então, é possível, perfeitamente. Nós já fizemos isso e pode ser feito novamente. Não há dúvida.
Neste ano, temos uma meta de 3,5%, indo para 3,25% em 2023. Esse objetivo cadente é factível, na atual conjuntura, ou veremos uma revisão, já que muitos economistas falam que a inflação estrutural do Brasil é acima de 4%?
O ponto é o seguinte: é possível ter metas menores. A maioria dos países emergentes têm metas de inflação ao redor de 3%. É factível, não há dúvidas. Já tivemos, inclusive, inflação ao redor de 3%, quando eu estava no Ministério Fazenda. Naquela época, a inflação ficou abaixo do piso da meta (de 3%, em 2017). Então, é absolutamente possível. Já mostramos isso. Basta fazer o que é correto, não apenas o correto na política monetária, mas também o correto na política fiscal. Isso é que é importante. Como fizemos naquela época? Aprovamos o teto de gastos, respeitamos o teto e, ao mesmo tempo, com uma política monetária austera, levamos a inflação à meta.
Então, o senhor acha que não é preciso mudar a meta de inflação neste ano?
Não. Mudar a meta de inflação seria um mau sinal, um sinal de leniência e de conformismo com uma inflação elevada. O que temos que fazer é um trabalho de restauração do teto de gastos e de convergência para a meta. Pode até fixar, como fizemos em 2003, um programa intermediário de convergência para o objetivo inflacionário. Agora, a meta tem que ser mantida.
O senhor já definiu seu futuro político? Vai ser vice ao governo de São Paulo ou se candidatar ao Senado?