*Por Hely Ferreira e Manoel Guimarães/Blog do Magno – Já faz algum tempo, mas nem sempre a escolha dos governantes foi um direito do eleitor. Aliás, há quem defenda que este nem seja um direito, mas uma conquista. Durante o período da Ditadura Militar (1964-1985), os dois marechais e os três generais que ocuparam a Presidência da República eram os responsáveis por escolher os governadores dos estados, os chamados biônicos.
Ao povo, só era permitido votar para os parlamentos e prefeituras, e mesmo assim, em algumas capitais e cidades importantes, os prefeitos também eram escolhidos de maneira indireta. Na disputa do Senado, várias regras chegaram a ser utilizadas, como o voto de legenda, para beneficiar candidatos da Arena, partido ligado ao governo militar, em detrimento do antigo MDB, o guarda-chuva partidário para todos os opositores do regime.
Em 2022, vivenciaremos a 10ª eleição direta para governadores após o fim do período do arbítrio. No entanto, em Pernambuco, o direito de eleger representantes no Palácio do Campo das Princesas e no Senado Federal não é algo que mobilize tanto quanto se imagina. Com base nas estatísticas dos nove pleitos anteriores, é possível constatar que o eleitor prefere votar nos candidatos proporcionais (deputados estaduais e federais) e no presidente da República.
A eleição que despertou o maior interesse dos pernambucanos em escolher seu governador foi a de 1986, o ano em que Miguel Arraes “voltou ao Palácio do Campo das Princesas pela porta que saiu”. Naquela disputa, 87,8% dos pernambucanos que foram às urnas votaram nos candidatos que estavam em disputa. Esse é o índice com os chamados votos válidos, onde primeiramente se despreza a abstenção (que é comum a todos os cargos em disputa) e depois são cortados os votos nulos e brancos. Desde a vitória de Arraes, esse índice sempre foi caindo, e culminou nos 70,17% de 2018, último pleito estadual.
Isso significa que quase 30% dos eleitores aptos que foram às urnas anularam ou votaram em branco. Em outros cargos, o índice de votos válidos foi bem maior que o de governador, como deputado estadual (83,67%), federal (80,32%) e principalmente presidente da República (87,61% no primeiro turno).
Os cargos proporcionais passaram a ganhar a preferência do eleitor pernambucano desde o pleito de 1998, o primeiro a nível estadual a contar com urnas eletrônicas. Que são seguras, nunca é demais salientar! Os maiores índices ocorreram em 2002, com 89,73% na corrida para a Alepe e 89,80% entre os candidatos à Câmara Federal. Neste caso, esses índices de votos somam os votos nominais (aqueles destinados a candidato específico) e votos de legenda (quando o eleitor só digita os dois primeiros números, que equivalem ao partido político).
Desde que passou a coincidir com as eleições para os estados, a partir de 1994, a corrida pelo Palácio do Planalto sempre teve mais votos válidos que a disputa pelo Campo das Princesas. É também a preferida entre todos os cargos desde 2014, ocasião em que foram registrados 90,66% de votos válidos dos pernambucanos.
Muito se pode atribuir à comoção da tragédia pela morte do ex-governador Eduardo Campos, que era até então candidato a presidente. Sua substituta na chapa, Marina Silva, foi a mais votada em Pernambuco. Na disputa pelo governo estadual, foram 83,33% de votos válidos. Em números absolutos, foram quase 400 mil eleitores de diferença. Em 2018, um abismo se abriu: 87,61% para presidente contra os já citados 70,17% para governador. Falamos de quase um milhão de votos a mais para a chefia do Executivo nacional.
Mesmo da única vez em que houve segundo turno para o Governo de Pernambuco, em 2006, a preferência também foi para a Presidência. Afinal, 88,95% fizeram a opção entre Lula e Alckmin (que curiosamente formam uma chapa presidencial neste ano), enquanto 85,92% foram de Eduardo Campos ou Mendonça Filho.
Essa realidade, em que candidatos a presidente ou proporcionais têm mais eleitores que os postulantes ao governo, pode ser explicada por alguns fatores. A começar pela ordem de votação dos candidatos nas urnas: deputado federal, deputado estadual, um ou dois senadores, governador e só ao final o presidente da República. Comprovadamente, o eleitor acaba priorizando os primeiros votos e o último antes de ouvir a clássica sonorização da urna eletrônica. Os do meio ficam em segundo plano.
Não se pode esquecer o fato de que os deputados estaduais têm mais presença nos municípios e estimulam os eleitores a comparecerem às urnas, obviamente para receberem mais votos. Há quem interprete que o chamado voto de cabresto nunca tenha deixado de existir, e números assim tendem a reforçar tal tese. Mas é a maneira em que a sociedade referenda seus eleitos.
Talvez o eleitor entenda que o governante do País exerça maior influência direta na qualidade de vida da população. Ao priorizar os candidatos ao Poder Legislativo, o eleitor pernambucano está aderindo à tese de John Locke, de que a elaboração das leis tem a maior importância. Vale lembrar que nossa Carta Magna deixa claro que não existe hierarquia entre os poderes constituídos, mas como o poder emana do povo, é este quem outorga através do voto sua verdadeira vontade. E esta aparenta ser mais para um poder do que para o outro. Os números não mentem.
*Hely Ferreira é cientista político; Manoel Guimarães é jornalista