As restrições impostas pela Emenda Constitucional (EC) nº 97/17, que veda as coligações partidárias nas eleições proporcionais e estabelece normas sobre acesso dos partidos políticos aos recursos do Fundo Partidário e ao tempo de propaganda gratuito na rádio e na televisão, vão mexer com o tabuleiro eleitoral de 2022. Já vigorando para as eleições municipais que ainda não se encerraram, para a corrida eleitoral que se realizará daqui a dois anos é que se perceberá a extensão do impacto das limitações que impõe aos candidatos e aos partidos.
E um dos afetados será, justamente, Jair Bolsonaro e seu projeto de reeleição. Apesar dos esforços do Aliança pelo Brasil em sair do papel para trazê-lo às suas fileiras, para uma legenda verdadeiramente conservadora, por questões estratégicas –– capilaridade pelo país, acesso ao fundo partidário e tempo de exposição em rádio e tevê –– são grandes as possibilidades de o presidente escolher uma das legendas do Centrão para concorrer à reeleição com chances reais de vitória.
No espectro da direita e centro-direita, Partido Novo, PRTB estão em situação desconfortável. No campo oposto, legendas orgânicas também estão emparedadas pela EC 97/17 –– promulgada em 4 de outubro de 2017. A ameaça de perda de recursos paira sobre a Rede Sustentabilidade e o PCdoB –– que deu início à luta pela sobrevivência, fundindo-se ao Partido Pátria Livre (PPL), em 29 de maio de 2019, e ensaiando, nos bastidores, um movimento rumo ao PSB, que teve bom desempenho nos últimos pleitos.
Nas eleições municipais, ficaram com menos de 2% dos votos válidos o PV, a Rede, o PCdoB, o PSol, o PRTB, o Pros, o PTC, o PNM, o DC, o Novo e o PMB, além dos nanicos UP, PSTU, PCO e PCB. Especialistas lembram que a exigência de maior representatividade em número de votos tirará recursos do Fundo Partidário e espaço de rádio e de tevê das agremiações, mas não as excluirá e nem retirará o direito dos grupos ao Fundo Eleitoral.
Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Paulo Baía destaca que a liberdade de organização partidária permanecerá. “Os partidos podem ser criados. Mas, ela introduz um mecanismo de representatividade nos parlamentos municipal, estadual, distrital e na Câmara. Foram dois movimentos: o primeiro, é a questão de não poder mais ter coligações para deputados e vereadores. Isso faz com que o partido tenha que buscar voto e ganhar representação. Essa representação é casada com uma representação importante, que é a cláusula de desempenho, para eliminar distorções. Cada candidato tem que ter no mínimo 2% do coeficiente eleitoral”, explicou.
“Efeito Tiririca”
A intenção é acabar com o “Efeito Tiririca”, que elegeu e reelegeu deputado federal o artista Francisco Everardo “Tiririca” Oliveira Silva (PL-SP) com grande quantidade de votos e deu ao partido a capacidade de “puxar” uma série de deputados à Câmara graças ao coeficiente eleitoral. “A cláusula faz com que os partidos tenham listas competitivas e que o ‘Efeito Tiririca’ desapareça, um candidato que tem um milhão de votos e, com isso, consegue “puxar”, eleger mais três deputados. O fato de ele ter um milhão de votos ajuda a legenda, mas tem que ser candidato com, no mínimo, 2% do coeficiente eleitoral”, observou Baía.
Foi esse o caminho percorrido pelo PCdoB ao se fundir com o PPL, por exemplo. “Agora, em 2022, sem as coligações, você redefine outro quadro na Câmara. Com certeza, vamos ter um número menor de partidos com representação na Casa. Isso deve dar maior consistência ao Legislativo. Quem sai prejudicado são as legendas de aluguel. A restrição não deve prejudicar Bolsonaro, pois o presidente não deve tentar um partido novo. Me parece que ele caminha para os médios, PP, até para o PTB. Ele é pragmático na vida partidária e os seguidores podem se adaptar. Aceitaram bem o Republicanos de (Marcelo) Crivella no Rio de Janeiro”, lembrou.
A lista de partidos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contém 31 siglas. Para o analista político do portal Inteligência Política Melillo Dinis, a tendência é de que os partidos executem uma série de fusões até o fim do próximo ano, para que alguns grupos sobrevivam no jogo federal.
“Quem ganha com isso? O eleitor, que escapa da sopa de letrinhas e vai poder entender melhor os partidos políticos e o que representam. Fica mais fácil. Vai acontecer um fenômeno: partidos serão adquiridos, vão se fundir ou serão engolidos por outros maiores, que tenderão a mudar esse modelo de pluripartidarismo fragmentado. As agremiações precisam melhorar sua integridade, transparência e capacidade de prestar contas”, observou, acrescentando que o fracionamento favorece quem está no poder.
Legendas à míngua
O analista político da consultoria Dharma, Creomar de Souza, destaca que, embora as cláusulas de barreira e de desempenho não extingam os partidos, sem acesso a recursos muitas legendas ficarão em situação complicada. Ele lembra que o Congresso aprovou uma medida semelhante, em 1995, mas a regulamentação foi derrubada por unanimidade pelo Superior Tribunal Federal (STF), em 2006, em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pelo PCdoB e outras agremiações de esquerda.
“Isso tende a gerar ruído a partir do momento que tem implicação direta na capacidade de fazer campanha mais competitiva. Eu não descarto do mapa o Congresso reagir, para dar mais tempo, ou para derrubar a cláusula”, observou.
“A construção dessa cláusula é fruto de uma conjuntura de 2016, 2017 e 2018, em que os políticos estavam pressionados. Mas, até o presente momento, não vemos fala ou articulação para reverter o processo. A sociedade também parece mais atenta e mais crítica. Por outro lado, temos a conjuntura eleitoral de 2022. O presidente foi eleito por um partido pouco relevante e transformou o PSL em um partido grande, a segunda maior bancada da Câmara, que recebeu muito dinheiro, mas não reverteu isso em prefeituras. Não conseguiu dar tração aos candidatos. Então, não basta o partido ter dinheiro, mas nomes que façam com que o eleitor se movimente e gere adesão”, analisou.