Oito dos dez municípios com maior queda populacional em PE estão na Zona da Mata Sul; desaceleração econômica pode explicar êxodo

Por Iris Costa, g1 PE – Tradicional polo sucroalcooleiro do estado, a Mata Sul de Pernambuco experimentou uma significativa redução populacional nos últimos anos. Esse movimento foi evidenciado pelo Censo 2022 – divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no fim de junho.
Apenas cinco municípios da região registraram crescimento, foram eles Chã Grande (2,03%), Primavera (3,2%), São José da Coroa Grande (3,55%), Tamandaré (13,74%) e Vitória de Santo Antão (4,76%). Oito dos dez municípios de Pernambuco que mais perderam população, em relação ao censo de 2010, estão na Mata Sul do estado.

Municípios com maior queda populacional proporcional:

  1. Salgadinho (-38,50%)*;
  2. Gameleira (-34,74%);
  3. Quipapá (-25,87%);
  4. Ribeirão (-24,70%);
  5. Maraial (-23,48%);
  6. Água Preta (-20,05%);
  7. Cortês (-18,42%);
  8. Xexéu (-17,61%);
  9. Machados (-16,83%)*;
  10. Amaraji (-16,83%).
*Os municípios de Salgadinho e Machados estão localizados no Agreste.
Para compreender os fatores que podem ter influenciado esse cenário, o g1 conversou com o economista Ademilson Saraiva e o professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Claudio Ubiratan Gonçalves.

Cabo x Goiana

Segundo os estudiosos, embora estejam localizados oficialmente na Região Metropolitana do Recife, os municípios de Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho possuem grande influência social e econômica na Mata Sul pernambucana, por conta do Complexo Industrial Portuário de Suape.
“Esse território da Mata Sul todo esteve envolvido com toda a dinâmica relacionada ao Porto de Suape. Vimos uma mobilização muito grande de mão de obra em meados da década passada e aí vieram os problemas políticos, especialmente relacionados à Lava Jato, que impactaram o crescimento da Petrobras”, explicou o economista Ademilson Saraiva.
Ao mesmo tempo que aconteceu um esfriamento econômico em Suape, em 2015 houve a inauguração do polo automotivo de Goiana, na Mata Norte, possivelmente resultando na transferência de população dentro da Zona da Mata pernambucana.
“Eu diria que [Suape] é o único ponto de atração, considerando o conjunto da Mata Sul como um todo. Na Mata Norte a gente tem a Hemobrás e o polo automotivo. Esses dois grandes empreendimentos, além de outros menores, são indicadores para a gente considerar como atrativos de população”, pontuou o geógrafo Ubiratan Gonçalves, da UFPE.
Indústria naval

 

Terreno onde ficava o Estaleiro Atlântico Sul, no Grande Recife, com 130 mil metros quadrados (imagem de arquivo) — Foto: Reprodução/TV Globo
Terreno onde ficava o Estaleiro Atlântico Sul, no Grande Recife, com 130 mil metros quadrados (imagem de arquivo) — Foto: Reprodução/TV Globo
Também inserido no contexto do Porto de Suape, a desativação do Estaleiro Atlântico Sul pode ter impactado diretamente o fluxo de trabalhadores da região, segundo Ademilson Saraiva. Nos 12 meses anteriores à desativação, em agosto de 2019, cerca de 3.500 empregados foram demitidos por causa da crise no setor naval.
Até 2018, o estaleiro injetava cerca de R$ 500 milhões na economia de Pernambuco, anualmente, somente com os salários dos funcionários. Outros 18 mil empregos foram gerados indiretamente pelo empreendimento e impactados pela desmobilização.
“Houve o desinvestimento do estaleiro, a paralisação da atividade do setor naval, isso é um dos motivos [da queda populacional]. Tinha uma demanda direta e também indireta por serviços, comércios pequenos, ajudando a movimentar aquele entorno. Você tem essa desarticulação e acaba mexendo com as oportunidades que essas pessoas tinham no território”, comentou.
Decadência da cana
O professor Ubiratan Gonçalves também apontou a decadência da monocultura da cana-de-açúcar como possível ponto de desmobilização econômica e social da região. A abertura de um grande abatedouro no Agreste do estado, no ano passado, teria mobilizado novos núcleos de pecuária extensiva na Mata Sul, segundo o geógrafo.
“A gente tem um modelo decadente em curso que é o monocultivo da cana-de-açúcar. Não é um modelo de dez, vinte, trinta anos, é um modelo de pelo menos três séculos. […] As pequenas cidades dali se organizaram em função da cana. Chegava na época do corte, da moagem, esse povo não parava. Só que com a pecuária não existe esse ciclo”, explicou.
Além da ausência de ciclos mobilizadores da economia local, o professor apontou que a pecuária extensiva também demanda um volume menor de mão de obra em relação à cana, encolhendo os postos de trabalho formais e, especialmente, informais.

Ausência de planejamento

Para Ubiratan Gonçalves também faltam projetos estruturados de desenvolvimento regional. As lacunas deixadas pelo poder público estariam sendo utilizadas por grandes empresas para gerar especulação financeira e territorial.
“Tanto o governo anterior, quanto o atual, não têm apresentado um projeto de desenvolvimento regional. Sem plano, são os grandes grupos econômicos que estão fazendo a gestão do território. São eles que criam uma euforia econômica”, disse.
Nesse cenário, a população local fica ainda mais vulnerável aos empregadores e latifundiários. “Um grupo econômico aqui se associa com outro, vai expandindo, comprando terras decadentes. Isso aumenta os conflitos de terra, porque tem aqueles trabalhadores que não foram pagos, não foram ressarcidos, não tiveram seus direitos reconhecidos”, complementou.
Catástrofes naturais
Para ambos os especialistas, a reincidência de catástrofes naturais na região, especialmente enchentes, é um fator que pode ter influenciado na hora de escolher mudar para outro local. Em 2017, 490 habitações foram destruídas e 4.951 danificadas por conta das chuvas que atingiram o Agreste e a Mata Sul.
“A gente não pode esquecer das enchentes. Tanto a de 2010, quanto a de 2017. Inclusive, as usinas se instalaram naquela região por conta da água, provocando um certo redesenho. As catástrofes naturais se tornam um fator repulsivo da população”, finalizou o professor Claudio Ubiratan Gonçalves.
Imagem de enchente na Zona da Mata Sul em 2017 — Foto: Acervo/TV Globo
Imagem de enchente na Zona da Mata Sul em 2017 — Foto: Acervo/TV Globo