O poder do perdão…

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O coração aberto e uma predisposição a deixar o passado para trás, escrevendo novas histórias. Para além das festas e a já conhecida troca de presentes, o Natal vem acompanhado de um espírito de reconciliação. É uma entrega. Algo que está gravado no olhar, a cada gesto e, principalmente, nas palavras lançadas. Trata-se do poder do perdão, capaz de curar feridas e trazer um refrigério para a alma. Nesse caminho, não há espaço para o orgulho. As marcas, que podem ter deixado dor e decepção, dão lugar a vontade de virar a página, iniciando um novo ciclo. Na visão de especialistas é um sentimento nobre. Para os cristãos, o florescer da natureza do menino Deus, com sua missão de amor. Em comum, os benefícios de uma natureza de paz, largando o individualismo para uma calorosa união.

“O mês de dezembro vem sempre acompanhado de mobilizações, com apelos ao cuidar do outro e o despertar de um lado mais terno. O Natal tem essa essência e o cérebro recebe esses comandos de forma direta. É como se os desejos que ficaram presos, durante todo o ano, pudessem ser liberados com grande intensidade”, explica a psicóloga Ana Rique.
Segundo ela, cada ser humano acaba tocado pelo desejo de um mundo melhor, mas espera sempre que a iniciativa parta do outro. “É preciso dar o primeiro passo para sanar essas mágoas, que ocorrem em diferentes graus. Podemos comparar como um grande lixo interno, capaz de apodrecer e, com o passar dos anos, provocar até doenças físicas ou mentais. Estender a mão e baixar a guarda é o melhor caminho”, recomenda.

O padre Moisés Ferreira ressalta que esse período está fortemente marcado pela serenidade e a quebra de ressentimentos. “É como se acalmássemos a fera existente dentro de nós, lembrando a chegada do príncipe da Paz, Jesus, a este mundo. O tempo é de atitudes, compreendendo as diferenças e minimizando os inevitáveis embates de opiniões”, explica. No mesmo propósito, o pastor evangélico Daniel Chagas endossa as benfeitorias trazidas pelo perdão. “É algo sempre reparador, independente da época. Um remédio que não tem contraindicação ou data de validade. O ganho é maior para quem se desprende. Vem do alto e está acima de qualquer religião ou ideologia”, reforça.

Continua…

Eva segurou as mãos do assassino do irmão

A próxima história contada neste dia de Natal remonta o horror de quem enfrentou uma violenta guerra civil. Alguém que teve os sons das bombas e os gritos de pavor como triste sinfonia, por mais de uma década. A professora Maria Eva de Lira, hoje com 47 anos, assistiu a luta pela independência de Angola, no continente africano. É uma sobrevivente. “Fui arrancada dos braços da minha mãe e levada ao abrigo. Lá permanecia enquanto meus pais iam para o combate”, relembra a docente que, posteriormente, deixou Angola em direção ao Brasil. Mora em Caruaru, no Agreste. “Naquele lugar vivíamos como animais, obrigados a nos esconder nas florestas. Nosso alimento eram raízes, restos podres de animais e até carne humana. Colegas que pisavam nas minas morriam ou ficavam mutilados. Era uma completa desgraça”, pesam as palavras. 

Eva ainda assistiria a cenas de um triste filme, que permaneceu estampado em sua mente. “Lembro-me de uma manhã de penumbra, quando parte de meus familiares foram enfileirados. Aquele soldado apontou a arma na cabeça do meu amado irmão e o matou. O rosto do assassino ficou preso aos meus olhos”, destaca. Mesmo em solo brasileiro e constituindo família, com marido, e quatro filhos, a angolana precisava liberar o perdão para alcançar a paz. “Passados quase 20 anos retornei a Angola para reescrever minha vida. Aquele homem estava lá, mais velho e experiente, mas não menos rude. Olhei sua face, segurei a sua mão e o perdoei”, detalha a pedagoga, que continua. “Pensar em pagar na mesma moeda apenas nutre o ódio dentro de nós. Para perdoar é preciso muita força, algo que vem de Deus. A partir daquele momento fui renovada”, concluiu.

Suzana apagou as marcas

Essa atmosfera de superação marcou a vida de uma moradora do bairro do Pina, Zona Sul do Recife, hoje com 35 anos. Para preservar a identidade, atribuiremos a ela apenas o nome fictício de Suzana. De família humilde, as lembranças da infância remetem a casa de dois cômodos, onde residia com os oito irmãos. “Minha mãe saía todos os dias a procura de um lugar melhor e meu padrasto em busca de emprego. Passamos fome e muitas humilhações”, recorda. Com a voz embargada, ela conta a fase de traumas que mudaria sua trajetória para sempre. “Ficava sob a responsabilidade do meu irmão mais velho. Foi aí que ele passou a se aproveitar da minha inocência para me abusar sexualmente. Utilizava de vídeos e revistas e me obrigava a fazer as mais terríveis posições”, detalha.

Suzana sofreu calada por cerca de dois anos. “Ele me ameaçava e fazia ter ainda mais medo”, justifica. Já adulta, os pesadelos a perturbavam. “Mesmo deixando a sua convivência, sofri com isso. Cheguei a tentar suicídio”, reforça. O mal começava a dar sinais internos. Foi diagnosticada com endometriose. A situação se agravou e retirou o útero e os ovários.
Nenhum médico conseguia descobrir o que tinha. Ela buscou forças e a ajuda de amigos, sendo incentivada a liberar o perdão. “Voltei até o meu irmão. Não foi nada fácil, mas Deus me deu forças para vencer. Quando tirei esse peso das costas, tive a minha vida e a saúde de volta. Nem mesmo os médicos conseguiram entender a minha brusca recuperação”, comemora. (Marcílio Albuquerque, da Folha de Pernambuco)