Por: João Vitor Pascoal/Folha de Pernambuco
Aprovada em Brasília, após trâmite no Congresso Nacional, a minirreforma eleitoral pode ter os seus efeitos experimentados por prefeitos e vereadores que participarão das eleições municipais do ano que vem, caso o presidente Jair Bolsonaro sancione o projeto até 4 de outubro.
Boa parte das mudanças propostas pelos deputados federais foram deixadas de lado pelo Senado, após pressão por conta das brechas para irregularidades como caixa dois e o esvaziamento dos mecanismos de transparência, mas após o restabelecimento do texto-base na Câmara, manteve-se parte do abrandamento das regras aplicadas sobre o uso das verbas públicas utilizadas em campanha, montante composto por R$ 928 milhões referentes ao fundo partidário e outros R$ 1,7 bilhão (que ainda podem ser reajustados no final do ano) do fundo eleitoral.
“Daqui a dois anos, pode ter certeza, mudam tudo de novo para favorecer eles (senadores e deputados). É algo recorrente, só testam nas eleições municipais”, diz o presidente da União dos Vereadores de Pernambuco (UVP), Josinaldo Barbosa, vereador de Timbaúba, relembrando que o fim das coligações proporcionais também entra em vigor ano que vem. Os recursos do fundo, inclusive, são alvo de crítica, já que, de acordo com ele, “nunca chegam no vereador”. “Nas eleições, os vereadores só são prejudicados, nunca favorecidos”, expõe. Barbosa também teceu críticas a alguns dos pontos do texto, como a possibilidade de pagamento de multas eleitorais com o dinheiro do fundo público. “O político comete o erro e quem paga a multa é o fundo? Não faz sentido, quem erra é quem deve pagar”, destaca.
José Patriota, presidente da Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe) e prefeito de Afogados da Ingazeira, tem opinião similar e crê que as eleições municipais servem “para testes eleitorais”. Ele ressalta que, apesar de não ter opinião sobre o montante que será repassado, o fundo eleitoral é necessário. “Quando o fundo é público é mais justo. Acredito que deve haver participação do público e do privado, se ele for feito de forma igualitária. Normalmente, a doação privada favorece aos grandes, aos candidatos que têm acesso aos empresários, nunca que o empresário vai financiar um (candidato) pequeno”, avalia Patriota, frisando que apenas na prática os efeitos poderão ser avaliados concretamente.
O vereador recifense Aderaldo Pinto (PSB) entende que apesar do fundo público eleitoral “não ser o melhor dos caminhos”, é o proposto por Brasília e o que deve ser percorrido. “Só em Recife, na última disputa (2016), foram 974 candidatos a vereador. Se proibiram as doações empresariais e limitaram a 10% o autofinanciamento das campanhas, efetivamente o dinheiro tem que vir de algum lugar”, avalia.
Ele destaca preocupação com a destinação que as cúpulas partidárias darão aos recursos. “Os candidatos, obviamente terão que ter boas afinidades com as cúpulas, pois do contrário, poderão sofrer com a falta de recursos para fazer suas campanhas”. Aderaldo entende que os candidatos a vereadores e prefeitos “serão as cobaias de tudo isso”, caso o texto seja sancionado pelo presidente dentro do prazo.
Líder da oposição na Câmara Municipal do Recife, Renato Antunes (PSC), se opõe ao fundo voltado para as eleições. Para ele, o uso de recursos dessa fonte torna as “campanhas cada vez mais caras e mais burocráticas”. “Afasta o cidadão comum das campanhas, o que, no meu ponto de vista, não tem nada de democrático”, afirma. Antunes opina que o valor que é destinado ao uso eleitoral poderia amenizar diversos outros problemas do País. “É dinheiro do cidadão que poderia estar sendo empregado em áreas como saúde e educação e estamos investindo em campanha política. Do meu ponto de vista, o Fundo Eleitoral é inadequado, inapropriado e inaceitável”.
Além do debate sobre o financiamento de campanha, o cientista político e professor da Faculdade Damas Antônio Lucena enumera uma série de pontos que podem ser considerados danosos para a Justiça Eleitoral, como a ampliação dos prazos para prestação de contas, a flexibilização do pagamento de multa e o pagamento de passagens aéreas para qualquer pessoa via fundo partidário.
Outro ponto destacado por ele é a retirada das contas dos partidos do rol das Pessoas Politicamente Expostas (PEP). “Se as contas ficam fora desse controle, o recurso do partido pode ser utilizado e transferido para a conta do candidato, nem o COAF vai ter condição de acessar”, ressalta. Outro ponto grave do texto, de acordo com ele, é a permissão para que os políticos possa concorrer sub judice, com avaliação da Justiça apenas na posse. “Vai facilitar muito para os que estão em processo de julgamento. Praticamente está matando a Lei da Ficha Limpa”.
Jogo das Casas
O vai e vem regimental ocorrido durante a tramitação da minirreforma eleitoral colocou em evidência posicionamentos discrepantes entres as duas casas do Congresso Nacional. Enquanto o Senado, aparentemente preocupado com a reação da opinião pública, vetou grande parte do texto que passou pela Câmara, os deputados tentam emplacar os pontos polêmicos e deixam a decisão nas mãos de Bolsonaro. “O Senado abriu mão de cumprir a sua atribuição. Fizemos um estudo, enviamos ao Senado e eles resolveram não olhar”, afirma o líder do PSD na Câmara, André de Paula. Ele destaca que os deputados representaram as sinalizações dos seus partidos e os senadores das mesmas legendas “optaram por se omitir”. “Abriram mão de contribuir para um debate que é importante para os partidos”.
Líder do PSB na Câmara, Tadeu Alencar frisa que a bicameralidade não retira das Casas as suas autonomias para deliberar e ressalta o entendimento “muito diferente entre as Casas”, apesar da posição sobre a manutenção do fundo público. “O Senado, ao retirar todo o conteúdo, terminou perdendo a oportunidade de ele próprio fazer aperfeiçoamentos que a Câmara acabou fazendo. Têm coisas importantes que poderia ter sido preservadas no Senado, como a volta das inserções partidárias de rádio e tv, um terço do povo ainda não tem internet”, ressaltou. Apesar disso, o socialista não crê que as visões distintas impliquem em crise entre as duas Casas e frisou que a após a volta do projeto do Senado, os deputados aprimoraram o texto em pelo menos cinco pontos.
“O Senado é uma casa revisora, tem sua autonomia para fazer o entendimento que bem entender”, diz o vice-líder do Republicanos, Silvio Costa Filho, ressaltando que, no momento, há muito mais convergências que divergências entre Câmara e Senado. “O ambiente é de unidade, baseado numa agenda reformista”.
Antônio Lucena também não vê a boa relação do Congresso Nacional posta em risco. “Via de regra, as câmaras altas atuam como freio das câmaras baixas. O Senado cumpriu seu papel histórico. Pode haver um certo ruído, mas não vejo que vá causar grande desgaste entre as Casas”, afirmou Lucena, ressaltando ainda que Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Rodrigo Maia (DEM-RJ), respectivamente, presidentes do Senado e da Câmara, seguem bem alinhados.