Ministério da Saúde avalia adotar o uso de inteligência artificial no SUS

Por: Henrique Fregonasse – Correio Braziliense – O Ministério da Saúde anunciou que estuda a implementação de inteligência artificial (IA) para melhorar o Sistema Único de Saúde (SUS). Até agora, a pasta não detalhou como vai ocorrer essa transformação. Especialistas ouvidos pelo Correio apontam as vantagens e os desafios que se apresentam na implementação da tecnologia no na saúde pública do país.
Na avaliação da Secretária de Saúde Digital do Ministério da Saúde, Ana Estela Haddad, a mudança deve ser focada em diminuir e filtrar as pessoas que procuram a rede. “A ampliação do acesso com a redução de filas de espera de consultas especializadas, [deve gerar] mais resolutividade, redução de custos e mais qualidade da atenção à saúde”, disse.
O plano do ministério, como se vê, é apenas um preâmbulo das possibilidades em discussão sobre o tema. Faltam detalhes de como seria a transformação da saúde pública com o uso das IAs. Os especialistas preveem impactos positivos, como atendimento em áreas remotas do país e personalização de diagnósticos. Porém, é preciso preparar o terreno, por meio de ações como a unificação de informações sobre os pacientes.
Vantagens
Alexandre Chiavegatto Filho, doutor em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutorado na Universidade Harvard, afirma que o SUS tem melhor potencial de implementação dessas ferramentas do que a iniciativa privada. Segundo o pesquisador, cada centro médico da iniciativa privada possui um sistema próprio, o que demandaria a criação de ferramentas de IA específicas para cada um. Além disso, esse isolamento entre sistemas resultaria em bases de dados menores, o que se traduziria em limitações a essas ferramentas, se comparadas à do SUS.
“O SUS é um sistema do qual 75% da população depende exclusivamente. Assim, a quantidade de informação que esse sistema gera abre o potencial para usarmos essa informação para auxiliar (a tomada de) melhores decisões”, explica.
O presidente da Saúde Digital Brasil, Caio Soares, ressalta que a tecnologia é necessária para a comunicação e detecção precoce de doenças. “Em casos menos extremos, conseguimos ganhar muitos anos de vida com qualidade para os pacientes ao anteciparmos o diagnóstico e o tratamento. É um impacto muito alto”, destacou.
Alexandre Chiavegatto destaca o benefício gerado para as regiões mais remotas do país, onde o acesso a alguns tipos de exames e a médicos especialistas é mais difícil. Segundo o especialista, essas ferramentas auxiliarão em melhores tomadas de decisão e a fornecer diagnósticos mais bem embasados e personalizados para os pacientes dessas áreas.
“Muitas vezes, essas regiões têm apenas um único profissional de saúde. Muitos municípios do Brasil têm um único médico, e esse médico não tem a quem referenciar e, às vezes, não tem exames disponíveis para auxiliar no diagnóstico e prognóstico de pacientes. Utilizando esses algoritmos, é como se esse profissional tivesse o auxílio do melhor especialista do mundo, que vai auxiliar a tirar qualquer dúvida que esse profissional de saúde tenha”, explica o professor.
Caio Soares afirma, ainda, que a implementação das IAs permite oferecer tratamentos individualizados em um curto período de tempo, com um impacto populacional muito maior. Para o presidente do SDB, isso se deve à velocidade das IAs de gerar resultados e desfechos com base em informações prévias.
Desafios
O projeto de unificação do sistema de prontuários eletrônicos dentro do SUS é um ponto crucial na visão de ambos os especialistas. Para eles, um sistema com informações unificadas é o que possibilita a implementação das IAs, pois essas informações constituem a base de dados utilizada pelos programas.
Apesar de ressaltar a importância da unificação dos prontuários eletrônicos, Alexandre defende a criação de ferramentas de IA específicas e isoladas para cada região do país. Ele explica que pela proporção continental do país e pela enorme diversidade fisiológica e socioeconômica existente, a implementação de uma única ferramenta unificada não seria tão eficiente e prejudicaria a personalização do diagnóstico.
O professor menciona testes feitos no Laboratório de Big Data e Análise Preditiva em Saúde (LABDAPS) da USP, dos quais participou ativamente, que desenvolveu algoritmos específicos em algumas regiões do Brasil e aplicou a outras. A conclusão foi de que a performance e a capacidade desses algoritmos de tomar decisões inteligentes caem consideravelmente quando aplicados a outras regiões.
“Pela diversidade socioeconômica e genética, será necessário desenvolver algoritmos específicos para cada região específica. Essa disponibilidade de dados em regiões remotas será uma grande oportunidade para melhorarmos decisões especificamente para essas regiões”, afirma.
Para Caio Soares, outro desafio a ser enfrentado se relaciona à questão social. Segundo ele, o projeto precisa ter, desde sua concepção, uma preocupação com a equidade. “Não se pode usar a tecnologia para aumentar a desigualdade social na Saúde. Ela já existe hoje e é muito perigoso a gente usar a tecnologia porque tecnologia custa dinheiro. Aí, corremos o risco de aumentar a desigualdade”, defende.
O especialista em Bioética ressalta, ainda, a importância da manutenção da autonomia dos profissionais de medicina no uso das ferramentas de IAs. “Devemos criar um ambiente jurídico e ético que garanta que essas inteligências generativas sejam supervisionadas sempre por um médico. Elas devem ser ferramentas de apoio ao diagnóstico e não ferramentas de diagnóstico, porque o diagnóstico e a conduta devem ser feitas pelo médico com ou sem o apoio das inteligências artificiais.”, explica.
Impactos na telemedicina
Segundo Soares, mesmo após o fim da pandemia de covid 19, a telemedicina continua sendo amplamente utilizada no Brasil. Para ele, por se tratar de uma tecnologia de atendimento que já utiliza, por base, prontuários eletrônicos, o ambiente da telemedicina deve ser o mais rapidamente impactado pela implementação das ferramentas de IA.
“Médicos e outros profissionais da saúde que estejam usando a telesaúde, não só telemedicina, mas telenutrição, tele-enfermagem, etc. Todos os profissionais da saúde que tenham prontuário eletrônico e um sistema informatizado têm uma alta probabilidade de sair na frente e usar primeiro essas ferramentas de apoio ao diagnóstico”, explica.
Chiavegatto reforça o argumento. Ele acredita que as ferramentas da IA serão aplicadas primeiro na telemedicina, porque essa modalidade coleta mais dados do paciente do que em uma consulta presencial. O especialista refere-se, particularmente, a dados de imagem, os quais podem ser facilmente processados pelos algoritmos. Dessa forma, segundo o professor da USP, o algoritmo poderá gerar potenciais orientações e subsídios para a tomada de decisão do médico já durante a primeira comunicação com o paciente.