Jovens brasileiros pedem ao papa Francisco que lute contra o racismo

Por: Vicente Nunes – Correspondente (Correio Braziliense) — Um grupo de 18 jovens brasileiros (quilombolas, indígenas e negros da periferia) preparou um documento com uma série de pedidos para ser entregue ao Papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude, que começa nesta terça-feira (01/08) e vai até domingo (06/08). A meta é que o chefe da Igreja Católica lidere um movimento em defesa da população afrodescendente no Brasil, vítima do racismo estrutural e da violência policial. Na carta aberta, como denominam, enfatizam que quase 90% dos negros brasileiros vivem na pobreza, sendo discriminados no mercado de trabalho e na execução de políticas públicas.
“A violência policial é uma triste realidade, com jovens negros sendo alvos da polícia racista diariamente. Essa violência é a expressão do racismo estrutural presente em diversos países”, diz o documento ao qual o Correio teve acesso. E ressalta: “O racismo estrutural resulta na falta de acesso adequado à saúde e no descaso do governo em relação às comunidades quilombolas, favelas e outras áreas periféricas, onde residem quase 90% da população afro-brasileira. Essas comunidades enfrentam desigualdades no acesso aos serviços de saúde, bem como a falta de políticas públicas que atendam suas necessidades específicas”.
Para os jovens brasileiros, que desembarcaram nesta segunda-feira (31/07) em Lisboa, não é mais aceitável que os negros continuem tendo salários que correspondam a 57,7% dos recebidos pelos brancos nas mesmas funções. Eles denunciam, ainda, o aumento da intolerância religiosa no Brasil. “Solicitamos que a Igreja católica se posicione firmemente contra as invasões e destruições dos terreiros de religiões de matrizes africanas, que representam uma forma brutal de racismo religioso. Pedimos seu apoio para promover a paz, a harmonia e o respeito entre as diferentes expressões religiosas”, frisam no documento.
Na visão dos jovens, o Papa também deve encabeçar uma ampla campanha contra os casos de abusos sexuais e o turismo sexual nas comunidades quilombolas e nas aldeias indígenas, onde meninas são vítimas constantes dessas violências. “Essas situações geram traumas profundos e causam danos irreparáveis”, reforçam na carta. Outro pedido é para que Francisco interceda junto às autoridades brasileiras para conter a violência contra políticos negros — entre 2018 e 2022, quase 100 parlamentares, eleitos legitimamente, foram perseguidos ou assassinados.
Mais educação
Para os jovens, um dos caminhos para se superar a pobreza histórica dos negros é a educação. Por isso, reivindicam que o Papa garanta uma cota de 30% das vagas em escolas católicas. Hoje, menos de 5% dos estudantes dessas instituições de ensino básico, fundamental e universitário são negros. No entender deles, também é necessário que a Igreja permita a ascensão de religiosos negros a cargos de liderança. A falta de representatividade, alegam, está na raiz da fuga da população afrodescendente das igrejas católicas. “É essencial que a Igreja aborde essas desigualdades e trabalhe para promover a igualdade racial em seu interior”, reforçam.
Apesar da disposição em fazer o documento chegar às mãos de Francisco, nada indica que isso vai acontecer, devido ao forte esquema de segurança montado em torno do pontífice. Mesmo entre os líderes da Igreja em Portugal, serão pouquíssimos os que terão acesso direto ao Papa. Os bispos selecionados para dar as boas-vindas ao chefe da Igreja terão de passar por revistas. Os 18 jovens foram selecionados pela Educafro, instituição que defende os interesses da população afrodescendentes, a pedido da organização da Jornada Mundial da Juventude.