Do Jota
Um projeto de lei apresentado à Câmara dos Deputados no último mês propõe alteração de um artigo do Código Civil para suprimir a declaração dos termos “marido e mulher” da celebração de casamentos no civil e, assim, tornar as cerimônias mais inclusivas, assegurando o tratamento igual entre casais.
Autora do PL 4004/21, a deputada federal Natália Bonavides (PT-RN) defende que, após a confirmação dos noivos de que pretendem se casar por livre e espontânea vontade, o responsável pela cerimônia civil declare efetuado o casamento nestes termos: “De acordo com a vontade que acabam de declarar perante mim, eu, em nome da lei, declaro firmado o casamento”.
A lei atual determina a menção ao gênero de um casal heterossexual, desconsiderando a existência de uniões homoafetivas e não-binárias. A redação vigente do artigo 1.535 do Código Civil, cuja alteração é proposta pela deputada, é: “De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados”. O projeto aguarda despacho do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).
Bonavides contou que a proposta surgiu de duas situações recentes nas quais a presidência de cerimônia do casamento de pessoas próximas à deputada não respeitou a diversidade de casais. “Isso ainda está acontecendo, naquele que era para ser o dia mais feliz da vida delas,” disse.
A advogada Maria Berenice Dias, ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) e vice-presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), fez ponderações sobre a redação do PL, especificamente a declaração de “firmado o casamento”. Segundo a jurista, o presidente de cerimônia formaliza uma manifestação de vontade já dada, ou seja, o vínculo já existe. Dias, entretanto, salienta que a proposta aperfeiçoa a lei, uma vez que o texto existente reproduz, sem atualização, os mesmos termos do Código Civil de 1916.
Essa, aliás, foi uma das justificativas da deputada ao apresentar o PL. “O Código Civil de 2002, apesar de aprovado durante a vigência da Constituição de 1988, reproduziu em seu texto a declaração solene para realização do casamento nos mesmos termos do previsto no Código Civil de 1916, sem qualquer adequação que a realidade impõe da existência de uma pluralidade de configurações de casais e de famílias”. A parlamentar lembra ainda decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, há mais de dez anos, decidiu pelo reconhecimento da união estável entre casais do mesmo sexo.
Para Ulisses Simões da Silva, sócio do escritório do L.O. Baptista Advogados, o PL é condizente com o direito constitucional, o qual busca ser mais inclusivo. Caso aprovado, o impacto imediato será o reconhecimento da pluralidade de casais e famílias, que terão amparo e não serão mais obrigados a ouvir constrangidos o “marido e mulher”. O advogado, por outro lado, considerou a medida insuficiente O Artigo 1.565 da mesma lei define família, após o casamento, como aquela formada por homem e mulher. “Nenhuma família pode ficar sem direitos”, afirma.
Não há hoje nenhuma lei que regulamente a união civil homoafetiva. Conforme mostrou o JOTA PRO Tracking, ferramenta corporativa de monitoramento legislativo, dos pelo menos 50 projetos de lei relacionados à causa LGBTQIA+ que tramitavam no Congresso Nacional, nenhum foi aprovado pelas duas casas desde a redemocratização.
Hannetie Kiyono Koyama Sato, especialista em direito de família, explicou que medidas em favor da comunidade vieram de decisões judiciais, não do Poder Legislativo. Na avaliação da advogada, embora o PL não seja um projeto que regulamente o casamento homoafetivo, é uma pequena alteração que, implicitamente, o constata. “É um reconhecimento de uma união homoafetiva, ainda que não tenha nada explicito. Considerando que não tem esse detalhe, pode passar despercebido”, diz.
A despeito dos desafios, a deputada disse que conversará com as lideranças do Congresso. Isso não significa uma vitória, reconheceu, mas “só há conquista de direitos com lutas”.