Murilo de Aragão/Veja – As vitórias na política decorrem, basicamente, da imposição ou da conciliação. A imposição se dá quando a maioria dita sua vontade e essa predomina no processo decisório. A conciliação se dá quando as forças políticas relevantes se entendem em torno de alguma agenda. Para analisar as perspectivas de obtenção de consensos importantes no Brasil de hoje, e de ora em diante, devemos refletir sobre as circunstâncias.
O avanço do processo democrático fortaleceu os poderes Judiciário e Legislativo, bem como permitiu que múltiplos segmentos da sociedade se organizassem ao largo dos partidos políticos e em torno de seus interesses. Mais recentemente, o debate federalista — com governadores e prefeitos reafirmando suas competências e autonomias — ganhou relevância. Em especial, pelo fato de os estados mais poderosos economicamente serem controlados por forças de oposição ao governo central.
Portanto, no Brasil de hoje não existe uma força política prevalecente. Diante de nossa atual situação econômica e social e pela necessidade de se solucionarem problemas urgentes, a busca pela conciliação é um desafio imenso. Por outro lado, a complexidade do cenário, com a atuação de diferentes poderes e segmentos da sociedade, aliada à urgência das demandas sociais, dificulta a construção de consensos duradouros. Ainda que a aprovação de medidas recentes revele algum esforço conciliatório, é importante reconhecer que a construção de consensos não é tarefa trivial e pode não ser recorrente.
“É importante reconhecer que a construção de consensos não é tarefa trivial e pode não ser recorrente”
Para que o Brasil possa dar um salto de qualidade é fundamental que as forças políticas do país exercitem com excelência a arte da conciliação. No entanto, é necessário considerar alguns fatores que podem limitar esse processo. Em primeiro lugar, a gravidade da agenda a ser enfrentada — que abrange questões como desigualdade, insegurança alimentar, desemprego e inflação — demanda soluções efetivas e ágeis. Além disso, existem tanto a pluralidade de segmentos de poder quanto a limitação de recursos disponíveis para atender a todos os interesses.
Ao se comparar os governos de Dilma Rousseff e do atual presidente, fica evidente que em ambos a conciliação se tornou um desafio. Dilma não conseguiu criar a coalizão necessária para governar, entendida como uma maioria no Congresso Nacional disposta a apoiar a sua agenda. O atual governo, assim como seu antecessor, enfrenta o mesmo desafio e precisa buscar estratégias eficazes de conciliação para superá-lo.
A construção de consensos sólidos e duradouros será essencial para o progresso do país e o enfrentamento dos desafios que se apresentam. A história nos dá lições. Uma delas é a de que as pessoas mudam, assim como as circunstâncias. Dois heróis franceses terminaram melancolicamente derrotados — Napoleão e Pétain — mesmo com seus passados de glórias. Ambos mudaram e as circunstâncias dos seus êxitos, após algum tempo, não existiam mais. Fizeram a leitura equivocada dos cenários e das circunstâncias.
O avanço completo do marco fiscal e da reforma tributária vai depender da leitura adequada da política, das circunstâncias extraordinárias que vivemos e de soluções construídas por meio do diálogo e da conciliação. É um imenso desafio. Porém, o curioso é que o desafio maior do atual governo é conciliar-se consigo mesmo e com seus aliados e, sobretudo, controlar o fogo amigo e definir prioridades realistas frente ao momento político do país.