Classe médica pernambucana chama a atenção para a falta de eficácia comprovada da cloroquina

Apesar de o Ministério da Saúde ter divulgado ontem um protocolo liberando o uso da cloroquina, azitromicina e sulfato de hidroxicloroquina para casos leves de Covid-19, autoridades sanitárias e especialistas não entram em consenso sobre a eficácia da medicação. Se de um lado há quem defenda a prescrição desses remédios, do outro, estudos científicos apontam um aumento de efeitos adversos provocados pelo uso desses medicamentos, como maior incidência de falência cardíaca em função de sua toxicidade. O documento, que não possui a assinatura de médicos, seguirá para os secretários estaduais e municipais de Saúde.

Segundo o próprio protocolo, “até o momento não existem evidências científicas robustas que possibilitem a indicação de terapia farmacológica específica para a covid-19”. O chefe de triagem do setor de Infectologia do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), Filipe Prohaska, ressaltou que qualquer uso de remédios deve ter acompanhamento de um médico. “O protocolo vem contra as informações do que a gente tem na literatura médica atualmente. Contudo, ele deixa bem claro que a responsabilidade da prescrição fica a cargo do médico”, disse, acrescentando que o texto não sugere fazer o tratamento em massa.

Ainda segundo o infectologista, o documento fala que os médicos podem repor zinco e vitamina D, mas não fala em dose nem parâmetros de quem deve receber o reforço dessas substâncias. “Fica aquela dúvida se o profissional vai jogar búzios ou vai ser um tratamento holístico para algo que não existe protocolo definido”, comenta. O profissional ressalta que não se deve enxergar a cloroquina como a solução do problema. “Infelizmente, queria muito dizer que existe remédio efetivo, mas não existe. É uma doença que tem muitas caras, com várias apresentações de sintomas diferentes que exigem tratamentos individualizados”, falou.

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O documento mantém a necessidade de o paciente autorizar o uso da medicação e assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). “É arriscado o Ministério da Saúde recomendar o uso de uma medicação sem evidências científicas que comprovem sua eficácia contra a doença. Ele joga a responsabilidade para cima de quem prescreve a medicação”, avalia Prohaska.

Diante deste cenário, o infectologista acredita que pode haver pressão por parte dos pacientes para o uso da cloroquina e talvez alguns procurem profissionais que prescrevam o remédio. “Escutar uma segunda, terceira, quarta opinião não tem problema. É um direito. Mas a pessoa tem que estar informada e saber as consequências da medicação e ser acompanhada”, disse. Prohaska falou a conduta dele ao iniciar um tratamento tem mudado por conta do que as pesquisas vêm mostrando nos últimos 45 dias. “Hoje eu faria menos uso da cloroquina do que eu fiz antes”, disse.

Por meio da assessoria de imprensa, o Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (Cremepe) disse seguir o que foi estabelecido pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). “Após analisar extensa literatura científica, a autarquia reforçou seu entendimento de que não há evidências sólidas de que essas drogas tenham efeito confirmado na prevenção e tratamento dessa doença. Porém, diante da excepcionalidade da situação e durante o período declarado da pandemia de Covid-19, o CFM entende ser possível a prescrição desses medicamentos em três situações específicas”, diz comunicado divulgado no site do CFM.

Em nota, a Secretaria Estadual de Saúde (SES) disse que recebeu com preocupação as novas orientações do Ministério da Saúde. “Como a Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou e o próprio Ministério da Saúde deixou claro na publicação, nenhum destes medicamentos têm eficácia comprovada contra a doença e seu uso pode causar diversos efeitos colaterais. Além disso, mais de 20 especialistas de oito entidades médicas e instituições de Saúde do Brasil, como a Fiocruz e a Sociedade Brasileira de Infectologia, alertaram para a inexistência de benefícios da cloroquina no tratamento da doença”, diz o comunicado.

A SES ressaltou ainda que as novas orientações foram apresentadas sem nenhum plano específico de abastecimento dos serviços do SUS. “Principalmente os que serão mais afetados, que são as unidades municipais de Atenção Primária que atendem a maior parte dos casos leves da doença. A estimativa é que as unidades de saúde do Estado, incluindo as das redes municipais, precisarão de mais de um milhão de comprimidos, só neste mês de maio – número muito superior às 186 mil capsulas enviadas, desde março, pelo Ministério da Saúde”.