Bom Jardim-PE: Um grande benfeitor

Por Dhodó Félix
A história é narrada sempre de acordo com o ponto de vista dos vencedores. Indiscutivelmente, isso provoca grandes injustiças. E Bom Jardim não fugiu à regra. Aquele que, com bravura e competência, defendeu e fez aprovar na Assembleia Provincial de Pernambuco o projeto nº 116, de 1867, aprovado em votação final (3ª), no dia 19 de maio de 1870, que nos desmembrou de Limoeiro, foi tragado pelo mais odioso dos esquecimentos.
Referimo-nos ao deputado Antônio Francisco Corrêa de Araújo (mais conhecido como Corrêa de Araújo), benemérito e merecedor de todas as homenagens pela conquista da nossa Emancipação Política. Mas não foi isso o que aconteceu, tendo em vista que seu nome é completamente desconhecido dos bonjardinenses, mesmo aqueles de maior nível cultural ou mais avançados nos anos, os quais jamais, em qualquer tempo, ouviram qualquer menção à sua pessoa.
Pouco mais de um ano depois de emancipado, Bom Jardim teve o privilégio de ter como governante da Província de Pernambuco um filho da terra, Henrique Pereira de Lucena Filho, que ficou à frente do governo provincial de 5 de novembro de 1872 a 10 de maio de 1875.
Tanto o deputado quanto o governante pertenciam aos quadros do Partido Conservador. Provavelmente eram adversários no mesmo distrito eleitoral. Familiares e correligionários do presidente Lucena residiam em Bom Jardim. Talvez esteja aí a razão do banimento injustificável do nome Corrêa de Araújo da terra que com tanta ênfase defendera.
Como responsável-mor pela emancipação do nosso burgo, merecia um busto em praça pública, nome numa placa de rua, avenida ou bairro desta cidade. No entanto, como paga pelos serviços prestados com tamanho desprendimento, foi premiado com a indiferença dos poderosos de plantão.
Na ata descritiva da cerimônia de instalação da nova unidade administrativa, seu nome sequer é mencionado. Mas certamente há de chegar o dia em que a história, devidamente passada a limpo, reconhecerá os méritos desse benfeitor, que então fará jus a todas as homenagens que lhe são devidas. Quem sabe, os atuais vereadores nomeiem um bairro ou uma rua importante da cidade para homenageá-lo?
Antônio Francisco Corrêa de Araújo, filho do major Francisco de Paula Corrêa de Araújo Sobrinho e Francisca de Carvalho Corrêa de Araújo, nasceu a 14 de setembro de 1845. Foi casado com Antônia Silveira Lins, com quem teve sete filhos. Formou-se pela Faculdade de Direito do Recife em 1866. Em 8 de agosto de 1869 foi nomeado juiz municipal e de órfãos do termo de Paudalho. Atuou também como advogado e político, além de ter sido proprietário dos engenhos Camaragibe, no município de São Lourenço da Mata, e Harmonia, no município de Escada. Em 1870 licenciou-se para disputar uma cadeira de deputado na Assembleia Provincial, obtendo número suficiente de sufrágios para eleger-se, porém teve parte dos votos anulados pela junta apuradora de Nazaré sob a alegação de ter, enquanto juiz de Paudalho, presidido uma seção do júri naquela comarca, não podendo ali ser votado. Entretanto, a suposta inelegibilidade não foi acatada pelo plenário da Assembleia, que julgou aquela mesa apuradora incompetente para decidir o assunto. Sendo assim, assumiu seu primeiro mandato de deputado, eleito pelo 2º distrito eleitoral.
Depois do cumprimento de dois biênios como representante do partido conservador, retornou à função de juiz na comarca de Paudalho, cumulativamente com o cargo de delegado de polícia local. Mas pouco se demorou ali, pois logo foi removido para o Recife onde, a 18 de janeiro de 1872, foi nomeado titular da Provedoria de Capelas e Resíduos da capital.
Também não se demorou nessa função, sendo nomeado Juiz de Direito da Comarca de Flores, onde também permaneceu por um curto período. Foi convocado pelo Barão de Lucena, então presidente da Província de Pernambuco, para assumir o cargo de Chefe de Polícia, denominação que, com o passar do tempo, seria mudada para Secretário de Segurança Pública.
Enquanto esteve no exercício do cargo, várias escaramuças se verificaram em Pernambuco pois, nesse período, eclodiu, na Paraíba, a chamada “Revolta do Quebra-Quilos”, que se irradiou por toda a parte norte do nosso estado, sendo duramente combatida e vencida pelas forças policiais pernambucanas. No governo do presidente Lucena, também ocorreu em Pernambuco a “Questão Religiosa”, um litígio entre o Estado e a Igreja, liderado pelo Frei Dom Vital, sendo necessária a pronta intervenção de força policial para que tudo se normalizasse.
Apesar de todas as turbulências, o chefe de polícia, dr. Corrêa de Araújo permaneceu no cargo três anos e onze meses, enquanto durou o governo do Barão de Lucena. Concluída a missão como Chefe de Polícia, reassumiu a comarca de Flores, mas voltou a concorrer a uma cadeira na Assembleia Provincial, sendo eleito mais uma vez.
Em fins de 1877 foi nomeado presidente da Província de Sergipe, não chegando a tomar posse do cargo pois, na viagem para esse fim, ao aportar em Salvador, foi informado da sua destituição, uma vez que o Partido Conservador que o havia indicado perdera maioria na Câmara dos Deputados, ou seja, o Poder mudara de mãos. Agora, o Partido Liberal era quem dava as cartas.
Ao retornar a Pernambuco foi compulsoriamente transferido para a comarca de Maranguape, no Ceará. Antes de assumir, nova transferência, desta vez para Alcântara, no Maranhão, por mera perseguição política. Não chegou a assumir nenhuma dessas comarcas pois, licenciar-se do cargo de juiz.
Por algum tempo dirigiu o jornal “O Tempo”, órgão de divulgação do Partido Conservador na Província de Pernambuco.
Em 1878 disputou sem sucesso uma vaga de deputado geral na Câmara dos Deputados. Entrementes, no pleito de 1881, concorreu mais uma vez, conquistando uma cadeira na câmara alta, elegendo-se em duas legislaturas. Pelos serviços prestados à Nação, o Governo do Império o condecorou com o título de Oficial da Ordem Imperial da Rosa
Ao término do segundo mandato como deputado geral, de volta à província, reconquistou uma cadeira na Assembleia Provincial, chegando a assumir a presidência daquela casa legislativa.
No decorrer de sua trajetória, por mais de uma vez, foi obrigado a tirar licença com ou sem vencimentos por motivos de saúde. Em razão de problemas relacionados a esse fato, buscou melhor tratamento na Corte (Rio de Janeiro) onde, depois de grandes padecimentos que duraram nove dias, veio a óbito, em 14 de maio de 1886, deixando viúva a senhora Antônia Lins Corrêa de Araújo e os filhos Antônio Francisco Corrêa de Araújo, Francisco de Paula Corrêa de Araújo, Maria Izabel Corrêa de Araújo, Belmino Corrêa de Araújo, Ana Lins Corrêa de Araújo, Beatriz Corrêa de Araújo e Henrique Lins Corrêa de Araújo.
Seu falecimento consternou todas as camadas da política brasileira, seja na Corte (onde era cotado para assumir um Ministério), seja nos estados, com grande repercussão nos principais órgãos de imprensa da Nação.
A esse grande pernambucano, Bom Jardim muito deve, pois logo que assumiu o 1º mandato como deputado provincial, em abril de 1870, uma das primeiras intervenções na tribuna da Assembleia foi defender entusiasticamente a nossa Emancipação Política, afinal conquistada em 2ª discussão, na sessão de 19 de maio de 1870.
É imperdoável que jamais tenha recebido o menor reconhecimento dos bonjardinenses, pois, conforme já mencionamos, seu ilustrado nome sempre foi totalmente ignorado em nossa terra. Mas nunca será tarde para que se torne reconhecido, lembrado e devidamente homenageado nessa terra de tantas e tantas glórias, graças a seus ilustres filhos, sejam eles nativos ou adotados.
* FÉLIX, Dhodó. Bom Jardim, Tempo & Memória, pp.102-105: Editora Cenário, 2021.