Ao comentar as investigações sobre seu agressor Adélio Bispo de Oliveira, nesta segunda-feira, o presidente Jair Bolsonaro voltou a atacar o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz , com acusações de que seu pai, Fernando Santa Cruz, desaparecido durante a ditadura militar, fazia parte do grupo “mais sanguinário” do movimento Ação Popular. Bolsonaro questionou a ação da OAB durante o processo para apurar o atentado sofrido em Juiz de Fora (MG), no ano passado, e afirmou que se o presidente da entidade quiser saber sobre a “verdadeira história” do que aconteceu com seu pai, ele pode contar o que ocorreu.
— Por que a OAB impediu que a Polícia Federal entrasse no telefone de um dos caríssimos advogados? Qual a intenção da OAB? Quem é essa OAB? Um dia se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Conto pra ele. Não é minha versão. É que a minha vivência me fez chegar e essas conclusões naquele momento. O pai dele integrou a Ação Popular, o grupo mais sanguinário e violento da guerrilha lá de Pernambuco e veio desaparecer no Rio de Janeiro — afirmou Bolsonaro.
Adélio foi absolvido por ser doente mental e não poder ser responsabilizado criminalmente em razão disso. Ele foi representado por um advogado que não informava quem estava bancando seus honorários e chegou a ser defendido pela OAB.
Não é a primeira vez que o presidente ataca o presidente da OAB ou o pai dele. A entidade vai soltar uma nota nesta segunda-feira em resposta às últimas declarações de Bolsonaro.
Bolsonaro e Felipe Santa Cruz trocaram diversas farpas públicas na última década. Em 2011, por exemplo, o então deputado federal já havia criticado o pai de Felipe Santa Cruz. Em uma palestra na Universidade Federal Fluminense (UFF), Bolsonaro disse que Fernando Santa Cruz “deve ter morrido bêbado em algum acidente de carnaval”.
Em 2016, depois de Bolsonaro homenagear o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra no plenário da Câmara dos Deputados, durante a votação do impeachment de Dilma Rousseff (PT), Felipe Santa Cruz entrou com um pedido de cassação do então parlamentar por “apologia à tortura”.
Prisão e desaparecimento
A primeira confirmação oficial da prisão de Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira saiu após 40 anos, em março de 2014. Apesar de pertencer à Ação Popular, Fernando não participava diretamente da luta armada. Documentos enviados à Comissão da Verdade citam apenas que Fernando prestava assistência aos integrantes do movimento.
“Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira. 20 de fevereiro de 1948. Casado. Citado por militantes presos como membro da Ação Popular Marxista-Leninista (APML). Preso em 22 de fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro. Considerado desaparecido em uma relação feita pelo Comitê Brasileiro de Anistia”, dizia o ofício RPB 655/A2-Comcos do Ministério da Aeronáutica, de escrito em 22 de setembro de 1978, classificado como secreto (nível acima de reservada e confidencial). Ele tinha 26 anos.
Fernando, que havia se mudado para São Paulo, onde trabalhou no Departamento de Água e Energia Elétrica do estado até a véspera da prisão, estava no Rio para festejar o aniversário do irmão Marcelo. Devido ao novo endereço, ele pleiteava uma transferência da UFF para a USP. Após rever a família, Fernando saiu às 16h para encontrar o amigo Eduardo Collier e marcou de ir ao cinema às 18h com sua mulher, Ana Lúcia Valença. Não apareceu. Era sábado de carnaval, e nunca mais se soube de Fernando e Eduardo.
O irmão dele, Marcelo Santa Cruz, teve cassado o direito de estudar no Brasil. Rosalina, irmã mais velha, ficou um ano presa, sofreu um aborto provocado pela violência, por choques elétricos. Mas Marcelo classificou o caso de Fernando como o “mais perverso”.