Zé Ramalho – “O meu país”…

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O Meu País

Zé Ramalho

 

Tô vendo tudo, tô vendo tudo

Mas, bico calado, faz de conta que sou mudo

 

Um país que crianças elimina

Que não ouve o clamor dos esquecidos

Onde nunca os humildes são ouvidos

E uma elite sem deus é quem domina

Que permite um estupro em cada esquina 

E a certeza da dúvida infeliz 

Onde quem tem razão baixa a cerviz 

E massacram – se o negro e a mulher 

Pode ser o país de quem quiser 

Mas não é, com certeza, o meu país

 

Um país onde as leis são descartáveis 

Por ausência de códigos corretos 

Com quarenta milhões de analfabetos 

E maior multidão de miseráveis 

Um país onde os homens confiáveis 

Não têm voz, não têm vez, nem diretriz

Mas corruptos têm voz e vez e bis 

E o respaldo de estímulo incomum 

Pode ser o país de qualquer um 

Mas não é com certeza o meu país

 

Um país que perdeu a identidade 

Sepultou o idioma português 

Aprendeu a falar pornofonês 

Aderindo à global vulgaridade 

Um país que não tem capacidade 

De saber o que pensa e o que diz 

Que não pode esconder a cicatriz 

De um povo de bem que vive mal 

Pode ser o país do carnaval 

Mas não é com certeza o meu país

 

Um país que seus índios discrimina

E as ciências e as artes não respeita 

Um país que ainda morre de maleita 

Por atraso geral da medicina 

Um país onde escola não ensina 

E hospital não dispõe de raio – x 

Onde a gente dos morros é feliz 

Se tem água de chuva e luz do sol 

Pode ser o país do futebol 

Mas não é com certeza o meu país

 

Tô vendo tudo, tô vendo tudo 

Mas, bico calado, faz de conta que sou mudo

 

Um país que é doente e não se cura

Quer ficar sempre no terceiro mundo 

Que do poço fatal chegou ao fundo 

Sem saber emergir da noite escura 

Um país que engoliu a compostura 

Atendendo a políticos sutis 

Que dividem o brasil em mil brasis 

Pra melhor assaltar de ponta a ponta 

Pode ser o país do faz-de-conta 

Mas não é com certeza o meu país

 

Tô vendo tudo, tô vendo tudo 

Mas, bico calado, faz de conta que sou mudo