Ao mesmo tempo, o que se viu, nesse período, foi o fortalecimento da chamada “velha política”, que o bolsonarismo prometia erradicar. O Centrão, por exemplo — bloco partidário sem coloração ideológica definida e que, tradicionalmente, apoia os governos —, ficou ainda mais poderoso ao se aliar a Bolsonaro. Com o controle da destinação de verbas de emendas parlamentares, sobretudo as do orçamento secreto, esse grupo tem privilegiado políticos veteranos, que ganham fôlego para tentar a reeleição neste ano.
Outro fator que pode inibir uma grande renovação no Congresso é o valor do fundo eleitoral, aumentado pelo Congresso de R$ 2 bilhões para R$ 4,9 bilhões. A distribuição desses recursos, segundo analistas, deve privilegiar candidatos que estão no exercício do mandato.
A queda de popularidade de Bolsonaro também tem potencial para impactar as eleições proporcionais. O apoio declarado do presidente a postulantes ao Congresso não deve ter o mesmo peso de três anos atrás.
Por outro lado, o favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na corrida pelo Planalto, apontado pelas pesquisas, pode refletir positivamente nas campanhas de candidatos de partidos progressistas ao Congresso. Outro trunfo desse segmento é a ideia da criação de uma federação de legendas de esquerda.
“O arquivamento dos processos do Lula deu gás grande para a esquerda em geral e para o PT, em particular. O PT tinha apoio popular abaixo de 15%; hoje, chega a 28%. Isso vai se reverter em votos”, avalia Antônio Augusto Queiroz, analista político e diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Segundo ele, os partidos progressistas, reunidos em uma federação, disputarão, em melhores condições, as chamadas sobras eleitorais — vagas não preenchidas pelo quociente eleitoral. “Quem tem mais votos no conjunto se beneficia. Por exemplo: os partidos de esquerda, separados, teriam 15 cadeiras a menos do que terão juntos, como uma federação”, frisa Queiroz.
O diretor do Diap também considera que as forças conservadoras terão menos potencial nesta eleição do que na passada, porque, hoje, não há o mesmo clima de contestação do sistema político — que foi embalado pela Lava-Jato, pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) e pelas grandes manifestações de rua.
“Plebiscito”
O professor Paulo Calmon, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), avalia que as eleições terão um caráter plebiscitário para o bolsonarismo. “É difícil prever neste momento, porque estaremos diante de circunstâncias muito distintas daquelas com as quais nos deparamos nas últimas eleições. Mas arriscaria dizer que o foco será na gestão da economia e da pandemia, colocando o governo Bolsonaro em xeque e abrindo espaço para uma grande renovação na Câmara”, sustenta. “No Senado, onde cada estado elegerá apenas um parlamentar, as mudanças tendem a ser menores.”
Segundo o docente, o cenário para os bolsonaristas será muito mais adverso no próximo pleito, porque, “além de se tornarem ‘vitrine’, terão de enfrentar não apenas a competição de uma federação de partidos de esquerda, mas também de outras legendas de centro-direita que rejeitaram a aliança com os apoiadores do presidente”.
Já o cientista político e pesquisador Leonardo Queiroz Leite chama a atenção para os possíveis impactos que a construção de uma terceira via, formada por siglas de centro-direita, terá nas eleições proporcionais. “Uma questão que nós temos de observar é a força que a chamada terceira via terá, principalmente após a filiação do (ex-juiz da Lava-Jato Sergio) Moro ao Podemos. É um campo conservador, de direita, mas não uma direita tosca, estridente, extremista, negacionista, como esta que está com Bolsonaro”, enfatiza Queiroz.