No meio de todo alarde pela aprovação da reforma da Previdência e das cifras estratosféricas prometidas a quem apoiar as novas regras de aposentadoria, chama atenção o relatório aprovado por unanimidade na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado, em novembro. O documento desmente a tese do Governo Temer de que as contribuições têm um rombo de R$ 188 bilhões que levam os cofres públicos ao vermelho. Assinado por técnicos da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), o estudo aponta que as receitas e despesas dos últimos 12 anos tiveram, na verdade, um superávit de R$ 50,2 bilhões. Embora o Brasil tenha passado por outras reformas previdenciárias, em 1998 e 2003, o setor continua sendo o vilão das contas do governo. E o argumento se repete: há déficit por causa do pagamento dos aposentados.
De acordo com o relatório, a reforma apresentada por Temer peca ao incluir no mesmo cálculo os regimes de aposentadoria dos setores público e privado, além de considerar, na mesma conta, o impacto da Desvinculação de Receitas da União, que permite ao governo usar 30% das receitas da Seguridade Social em outras despesas. Enquanto o governo diz que há déficit de R$ 77,2 bilhões, no caso dos servidores federais, e de R$ 149,7 bilhões no INSS, a Anfip informou que o único saldo negativo foi em 2016, no valor de R$ 57 bilhões. A baixa seria creditada à crise. Para chegar a essa conclusão, a entidade subtraiu as fatias da DRU, que seria a responsável pela sangria de recursos de contribuições para Seguridade Social da ordem de R$ 519 bilhões, em valores nominais. Na prática, ela é usada para cobrir deficiências da Saúde e Assistência Social. A estimativa é que somente em 2015 foram desvinculados dos fundos 63,8 bilhões.
Para o promotor de Patrimônio Público do Ministério Público de Pernambuco, Maviael Souza, a má gestão, falta de planejamento e desvio de receitas da previdência para outras áreas formaram uma combinação explosiva que levou ao atual cenário das contas da Previdência. “As arrecadações são para financiar a seguridade, mas a DRU sai pegando dinheiro para outros fins, para pagar os juros do mercado. Se fosse bem gerida, a Previdência seria autosustentável”, afirmou.
Continua…
Segundo Maviael, o discurso do Governo Federal, definido por ele como equivocado, afeta, sobretudo, os direitos do trabalhador. “Transformam a classe dos servidores em marajás, quando na verdade, a contribuição do servidor é maior que a da iniciativa privada, porque é em cima da remuneração dele. Isso acaba mexendo com o trabalhador do setor privado, porque a reforma vai mexer no tempo de contribuição”, acrescentou. A reforma de 1998 já havia feito expressivas mudanças, como o fim da aposentadoria especial para professores universitários, trouxe a idade mínima para aposentadoria de funcionários públicos e retirou a regra de aposentadoria com base no salário dos últimos 36 meses.
Segundo o deputado federal Tadeu Alencar (PSB), o presidente Michel Temer faz uma campanha insidiosa contra os servidores e empregados da iniciativa privada. “A reforma é desonesta. O trabalhador privado terá que contribuir por 40 anos, mas estudos mostram que a pessoa, a cada 12 meses, só contribui 9,1 anos por causa de vários fatores, como o desemprego e períodos de afastamento. Quer dizer, a pessoa vai ter que trabalhar por 52 na verdade”, criticou Tadeu.
Calote
O presidente do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo do Estado de Pernambuco (Sindilegis -PE), Marconi Glauco, questionou a necessidade de mais uma reforma em menos de 20 anos. Ele avalia que as alterações que precisariam ser feitas já foram contempladas nas reformas anteriores. “Não há rombo. É um calote. Eles querem tirar direitos da classe trabalhadora. Se aprovarem, vai haver greve geral. Não vamos arredar os pés das ruas e não vamos dar sossego aos senadores e deputados. E esse governo não tem legitimidade para tocar essa pauta”, disse Marconi.
Na última quinta-feira, os Sindicatos do MPPE, do Tribunal de Contas do Estado, da Assembleia e do Tribunal de Justiça de Pernambuco divulgaram uma nota em que criticam os argumentos da reforma da previdência.
Má gestão
A má gestão da Previdência não é novidade. Já na década de 30, as gestões usaram as contribuições dos trabalhadores para financiar grandes obras. Entre as beneficiadas, estavam a Companhia Siderúrgica Nacional, a Fábrica Nacional de Motores, obras como a construção de Brasília, Ponte Rio-Niterói, Rodovia Transamazônica. Em nenhuma delas houve o devido ressarcimento aos cofres, o que contribuiu para fragilizar o sistema.
O processo de industrialização, impulsionado pelo governo do então presidente Getúlio Vargas, fez com que o uso dos recursos da previdência fosse considerado comum, mesmo em grande escala. Até a própria carteira de crédito agrícola e industrial do Banco do Brasil passou a ter as verbas previdenciárias como a principal fonte de financiamento. Por outro lado, não houve a capitalização para custeio de deficits futuros.
Devedores
Outro erro do governo apontado no relatório é a postura considerada condescendente com os devedores. A soma dos passivos das empresas junto à Previdência remonta cifras da ordem de R$ 450 bilhões. Dados apresentados pela Procuradoria da Fazenda Nacional à CPI mostram que só R$ 175 bilhões são recuperáveis. A taxa anual de recuperação de débitos gira em torno de 1%. Paradoxalmente, a dívida cresce 13% ao ano. Um exemplo é a JBS, envolvida em esquemas de corrupção no país e é a maior devedora da Previdência, com cerca de R$ 2,1 bilhões. O valor foi obtido por meio de empréstimos do BNDES.
Os especialistas alegam que os órgãos de controle e fiscalização são lenientes.
Os fatores ficam mais graves quando somados aos resultados negativos provocados pela crise. No ano passado, as receitas da Seguridade cresceram apenas 3,5%, sendo menor que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA), que teve aumento de 6,29%.
Mas, mesmo no cenário de recessão, o governo continuou aprovando um esquema de desonerações elevado que contribui para um saldo problemático. Em relatório realizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), nos últimos dez anos, as renúncias fiscais triplicaram, chegando a R$ 143 bilhões em 2016. Há 10 anos o valor era de R$ 45 bilhões.
O relatório do Senado apontou, ainda, que as desonerações cresceram em relação ao Produto Interno Bruno (PIB), empurrada, sobretudo, pela crise. No entanto, diminuiu em proporção à receita realizada.
A Previdência Social, conforme os dados trazidos pelo documento, perdeu R$ 9,5 bilhões (em valores de 2007), o equivalente a 7% das receitas previdenciárias daquele ano. (Rebeca Silva e Carol Brito, da Folha de Pernambuco)