Aos 22 anos, Juliana Nunes recebeu o diagnóstico de epilepsia. Com cirurgia e medicações, conseguiu reduzir as crises mas ainda tem pelo menos cinco por mês. Usou 21 remédios diferentes nesses últimos 15 anos. Aos 37 anos, está aposentada por invalidez. “Tenho duas faculdades [turismo e recursos humanos] e não posso trabalhar, sair sozinha. Tenho crises de ausência, fico parada, alguém pode me roubar. A epilepsia brecou a minha vida.”
Sua esperança agora é a terapia de estimulação elétrica do nervo vago (VNS), um tipo de marca-passo cerebral para pacientes com epilepsia resistente a medicamentos e sem indicação para cirurgia. “Perdi minha mãe, depois meu pai. Eu cuidava dele, ele cuidava de mim. Quero muito uma vida mais independente, mas só vou conseguir com maior controle das crises.”
O Ministério da Saúde decidiu oferecer a VNS aos pacientes do SUS em setembro do ano passado, mas ela ainda não está disponível na rede pública. Os planos de saúde arcam com a terapia.
A partir da publicação no Diário Oficial da União (DOU), uma nova terapia deveria estar disponível no SUS em 180 dias. Mas a exemplo de vários medicamentos de alto custo, isso tem levado muito mais tempo.
No caso da terapia VNS, ela está aprovada nos EUA desde 1997 e, no Brasil, desde 2000. A publicação no DOU ocorreu em 12 de setembro de 2018. Os 180 dias venceram em 12 de março. Para o SUS, a terapia deve custar cerca de R$ 40 mil por paciente.
“Milhares de pacientes com epilepsia resistentes a medicamentos continuam sofrendo convulsões e hospitalizações desnecessárias”, diz Maria Alice Alice Mello Susemihl, presidente da ABE (Associação Brasileira de Epilepsia).
Uma outra medicação para a epilepsia, o levetiracetam, indicado para casos de difícil controle, também não chegou ao SUS. Ele custa de R$ 93 (60 comprimidos de 250 mg) a R$ 280 (60 comprimidos de 750 mg).
Incorporado em dezembro de 2017, o remédio entrou no PCDT (Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Epilepsia) em junho de 2018. “Houve uma discussão sobre quem pagaria a conta, estado ou União, e em dezembro de 2018 ficou decidido que seria a União. Mas estamos em julho de 2019 e a compra não foi feita. Se o Ministério da Saúde não segue suas próprias determinações, os pacientes devem recorrer a quem?”, questiona Maria Alice.
No país, a estimativa é existam 3 milhões de pessoas com epilepsia. A doença pode ocorrer por distúrbio genético ou resultado de lesões cerebrais adquirida, como problemas no parto, traumatismo, acidente vascular cerebral ou mesmo doenças como a neurocisticercose (infecção do sistema nervoso central).
Segundo a neurologista Carmen Lisa Jorge, médica do Hospital das Clínicas de São Paulo, independentemente das novas terapias, 70% das pessoas conseguiriam manter as crises sob controle se tivessem acesso a neurologistas e medicamentos adequados. “Apesar de a epilepsia ser uma doença antiga, o tratamento ainda não é bem feito.”
Os 30% restantes, que não respondem aos medicamentos, podem se beneficiar uma cirurgia que retira o foco epilético. “O resultado é muito bom se o foco estiver bem localizado. Mas os pacientes também têm dificuldade de acesso.”
Se não houver indicação cirúrgica, uma opção é a neuromodulação, ou seja, a estimulação do cérebro ou de nervos periféricos. De novo, o tratamento é coberto pelos planos de saúde, mas praticamente indisponível no SUS. “A gente nem solicita porque não tem.”
Juliana Nunes recebeu o diagnóstico de epilepsia 22 anos e desde então faz tratamento, mas ainda tem, pelo menos, cinco crises ao mês Arquivo Pessoal Juliana Nunes recebeu o diagnóstico de epilepsia 22 anos e desde então faz tratamento, mas ainda tem, pelo menos, cinco crises ao mês.
O mesmo ocorre com o levetiracetam, que está há 20 anos no mercado internacional. “Fora do Brasil, é um fármaco de primeira linha, na primeira crise. Ele não interage com outros remédios, pode ser bom para mulheres em idade fértil porque não tem risco aumentado para malformação fetal, pode funcionar para vários tipos de crise.”
Ela explica que os remédios mais antigos costumam ter mais efeitos colaterais, mais sedação e interação com outros medicamentos, além de maior risco de osteoporose . “A gente quer remédio mais novo para os pacientes que não controlam [as crises] e também àqueles que sofrem com os efeitos colaterais.”
Sobre a terapia VNS, a médica diz que metade dos pacientes que não respondem às medicações têm melhora de 50% das crises. “As crises não somem todas? Não somem, mas melhora muito a qualidade de vida. Tem paciente que tinha cem, 50 crises por dia. Se passa a ter 20, já é um ganho.” Só 7% vão ficar totalmente livres das crises.
Na falta de um tratamento perfeito para epilepsia, que sirva para todos, o ideal, segundo a médica, é ter várias opções terapêuticas.
Em nota, o Ministério da Saúde informou que a oferta da terapia VNS “está pendente de aspectos técnicos e operacionais, que estão sob avaliação a fim de assegurá-lo no SUS de modo responsável”.
Segundo o ministério, por se tratar de um procedimento de alta complexidade “só é possível ser feito de maneira apropriada, eficaz e segura em poucos centros selecionados em todo o país”.
“É importante destacar que o procedimento envolve o emprego de material, o qual deve ser dimensionado e programado por empresas que o ofertam no Brasil”, diz.
Para Maria Alice, da ABE, há falta de organização. “O prazo de seis meses após a publicação no DOU existe para que o SUS possa se preparar para esta incorporação.
Todo o processo de aprovação foi seguido à risca, com consulta pública, avaliação da relação custo e benefício. Para que serve isso tudo se após a aprovação não há incorporação?, questiona.
Em relação ao levetiracetam, o ministério informou que o processo da primeira aquisição está em andamento, iniciado em janeiro de 2019.
Ressaltou também que a aquisição do levetiracetam na apresentação 100mg/ml está sendo realizada por meio de pregão eletrônico com previsão de disponibilidade na rede SUS a partir do 4º trimestre deste ano.
No caso das apresentações de 250 mg e 750 mg, diz o ministério, o processo aquisitivo sofreu ajustes devido a novos registros desses medicamentos na Anvisa e que ainda precisa vencer algumas etapas para melhor previsibilidade de sua oferta no SUS.
O ministério informou também que o SUS oferece 13 medicamentos para o tratamento da doença, preconizados de acordo com o PCDT. Nas etapas de investigação, exploração cirúrgica, que envolvem procedimentos cirúrgicos, o SUS disponibiliza 11 procedimentos como microcirurgias para lobectomia temporal, ressecções multilobares, entre outros. (Por: Claúdia Collucci/Folhapress)