Com o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e sob resistência da bancada evangélica, deputados retomaram a discussão da legalização de jogos de azar no Brasil. Um grupo de trabalho foi instalado na Casa para analisar um projeto de lei apresentado em 1991 — mesmo com os requisitos cumpridos para ser apreciado em plenário, o texto não alcançou esse patamar em três décadas em função da divisão que o tema provoca.
Em linhas gerais, o assunto opõe entusiastas do potencial de arrecadação econômica da instalação de cassinos e da liberação de outras modalidades aos que alertam para o caminho aberto à lavagem de dinheiro e outros crimes. A possibilidade de vício e as consequências para as relações familiares — o argumento mais ligado à moral é frequentemente evocado por setores religiosos — também são citadas por opositores.
Empresários do setor viram na ascensão de Jair Bolsonaro à Presidência, em 2019, um caminho aberto para o avanço da pauta. O magnata dos cassinos, Sheldon Adelson, morto em janeiro deste ano, esteve no Brasil no início do mandato e recebeu o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) e uma comitiva em Las Vegas (EUA) em janeiro do ano passado. Na correlação das forças internas que sustentam Bolsonaro, no entanto, os evangélicos levaram vantagem no primeiro capítulo da batalha — a segunda ainda está no início.
— Nós temos o Congresso mais conservador em 30 anos. Não há votos para a aprovação. Sabemos que o Ciro (Nogueira, ministro da Casa Civil) sempre foi a favor do tema. Já os ministros Paulo Guedes (Economia) e Gilson (Machado, Turismo), no tempo certo, vamos procurá-los e vamos provar que o dano da legalização dos jogos é muito maior do que a potencial arrecadação — sustenta o deputado federal Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), da Assembleia de Deus Vitória em Cristo e próximo ao pastor Silas Malafaia, um dos interlocutores mais frequentes de Bolsonaro.
Líder da bancada evangélica, o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP) também trabalha para encerrar o debate — o grupo que ele coordena deve se posicionar oficialmente contra o projeto.
No lado oposto da discussão, mais do que apenas defensor do tema, o ministro da Casa Civil é autor de um projeto de lei que legaliza todos os jogos, inclusive o do bicho. Dentro do governo, a iniciativa não é vista com bons olhos, por exemplo, pela ministra Damares Alves (Família, Mulher e Direitos Humanos), da ala evangélica.
O conteúdo do texto apresentado por Nogueira, que anda a passos lentíssimos no Senado, também expõe outro tipo de resistência, esta interna. Na ala de defensores da legalização, um grupo é favorável a um modelo mais restrito, focado nos cassinos integrados a resorts, excluindo modalidades como o jogo do bicho. A falta de entendimento travou o encaminhamento num momento em que Rodrigo Maia (sem partido-RJ), então presidente da Câmara, se mostrava disposto a levar o assunto à votação.
Presidente do grupo de trabalho instalado na Câmara, o deputado federal Bacelar (Podemos-BA) cita a crise econômica que o país atravessa como um fator capaz de impulsionar a aprovação do projeto no Congresso.
— Há 14 milhões de desempregados, precisando de renda, e recebemos só seis milhões de turistas por ano. Eu respeito a questão religiosa: se a religião não permite, não jogue, mas não queira ditar isso a todos. É uma questão econômica e social. Falam que pode favorecer a lavagem de dinheiro, mas não falam como isso aconteceria, onde… É mais fácil lavar dinheiro em um estacionamento, que cobra menos impostos — afirma Bacelar.