“Só tenho medo dos vivos”, diz pedreiro que usa túmulo para dormir…

É em um túmulo recém-construído no Cemitério Municipal que o pedreiro desempregado Humberto José dos Santos, de 42 anos dorme todas as noites. (Foto: Alana Fonseca/G1 PR)

É em um túmulo recém-construído no Cemitério Municipal que o pedreiro desempregado Humberto José dos Santos, de 42 anos dorme todas as noites. (Foto: Alana Fonseca/G1 PR)

Um túmulo recém-construído no Cemitério Municipal de São Mateus do Sul, nos Campos Gerais do Paraná, há três meses virou moradia para o pedreiro desempregado Humberto José dos Santos, de 42 anos, conhecido como “Bahia”. Bem vivo, ele usa o espaço estreito do túmulo, onde geralmente ficam as capelas, para descansar. “Eu tenho um lençol para cobrir o chão, um travesseiro e uma colcha”, mostra. Depois de encenar como dorme, Bahia dobra e guarda as roupas de cama. Nas gavetas, ele deixa objetos pessoais, como uma mala em que esconde as ferramentas que usava no trabalho. “Tudo o que tenho, está aqui no ‘meu túmulo’. Menos a certidão de nascimento, que ficou com um padre para eu não perder”, conta. Ele garante que não teme dormir no cemitério. “Tenho mais medo das pessoas vivas do que das mortas. Esses dias eu apanhei e ainda estou com um olho roxo. Levaram um pouco de dinheiro”, diz Bahia, que relata ainda que o local é habitado por mais dois moradores de rua.

A história de Bahia (apesar do apelido, ele é pernambucano), não é muito diferente da de outros moradores de rua espalhados pela cidade. “De dia, eu cato latinhas e peço dinheiro por aí. O quanto eu ganho por mês fica difícil saber porque gasto tudo com bebida e cigarro”, conta o homem que afirma ter parado de fumar crack, depois de 12 anos no vício.

Bahia conta que deixou a certidão de nascimento com um padre, para não perder (Foto: Alana Fonseca/G1 PR)

Bahia conta que deixou a certidão de nascimento
com um padre, para não perder
(Foto: Alana Fonseca/G1 PR)

Pedreiro por 33 anos, o mendigo se mudou para o sul para tentar uma vida melhor, mas não conseguiu um emprego. “Eu peço dinheiro, sim. Pelo menos não estou roubando. Passei a ser um morador de rua depois que me separei da minha última esposa. Tenho seis filhos, mas eles não são da mesma mãe”, diz Bahia que conta, também, que o plano era seguir para Curitiba, onde mora uma irmã. “Fiz amigos em São Mateus do Sul e resolvi ficar”.

Garrafas plásticas, vasilhas, um chinelo do time do São Paulo e restos de comida, rodeados por mosquitos, ficam distribuídos nas oito gavetas do túmulo adotado por Bahia. Funcionários que trabalham no cemitério contam que também é possível encontrar, em outros pontos do local, objetos usados pelos moradores. Eles mostram o sabão usado para lavar roupas e uma lata com restos de velas, utilizada em dias em que as temperaturas estão mais baixas.

Quanto ao frio típico da região, aliás, ele não demonstra preocupação. “Passamos por tanta coisa, que acabamos ficando resistentes”, garante.

Continua…

Incômodo
A situação incomoda e assusta pessoas que frequentam o cemitério. O túmulo onde Bahia dorme fica em frente ao da família Olcezeski Bijuta. “Minhas irmãs deixaram de vir ao cemitério porque têm medo, sem contar a bagunça que eles deixam”, afirma José Marcos Olcezeski.

O radialista Odair Afonso Ferreira também conta que, recentemente, recebeu a ligação de uma senhora. “Ela me garantiu que mortos estavam saindo dos caixões. Foi um susto enorme”, lembra.

O responsável pelo cemitério, João Luiz Silva dos Santos, diz que a família dona do espaço ocupado por Bahia já sabe da situação. “Falaram que vão fechar o túmulo”, revela. João afirma que já pediu para que os homens saiam do lugar, mas não adiantou. “Eles não ficam aqui de dia. Voltam apenas à noite, quando não têm ninguém”, relata. O muro baixo e os três portões também facilitam a entrada.

Ainda de acordo com o funcionário, a Polícia Militar (PM) também não pode fazer nada, afinal, os moradores de rua não estão praticando crimes.

Providências
O secretário municipal da Casa Civil, Dejair de Jesus Padilha, garante que a prefeitura não estava sabendo da situação. “Retirar os moradores do cemitério é fácil. O mais difícil é tirá-los da rua”, acredita.

De acordo com o secretário, os moradores de rua, provavelmente, serão encaminhados para o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), que é responsável por cadastrar e acompanhar pessoas em situação de extrema pobreza em programas de transferência de renda.

“Estou ficando velho. Eu sei que uma hora vou morrer. Não tenho medo, não. Se for aqui, melhor ainda, já estou no lugar certo”, brinca Bahia. (G1)

"Estou ficando velho. Sei que um dia vou morrer. Se for aqui, melhor", diz Bahia (Foto: Alana Fonseca/G1 PR)

“Estou ficando velho. Sei que um dia vou morrer. Se for aqui, melhor”, diz Bahia (Foto: Alana Fonseca/G1 PR)