✅ O que é permitido
- Sexo como expressão de amor, mesmo sem buscar filhos
“A união sexual, como forma de expressão da caridade conjugal, deve naturalmente permanecer aberta à comunicação da vida, mesmo que isso não signifique que deva ser um objetivo explícito de todo ato sexual.”
- Casais que não podem ter filhos continuam plenamente incluídos
“De fato, a razão de ser interior e essencial do casamento não é apenas se transformar em uma família, mas sobretudo constituir uma união de duas pessoas, uma união duradoura fundada no amor […]. Um casamento em que não há filhos, sem culpa dos cônjuges, conserva o valor integral da instituição […] não perde nada de sua importância.”
- Períodos inférteis podem ser vividos com ternura e intimidade
O texto cita que os casais podem “aproveitar os períodos naturais de infertilidade como manifestação de afeto”, reforçando que a sexualidade nesses momentos também serve para cultivar fidelidade, cuidado e proximidade emocional.“Que o casal respeite os períodos naturais de infertilidade. Seguindo esta linha de reflexão, como afirma São Paulo VI, a Igreja ensina que é lícito levar em conta os ritmos naturais inerentes às funções generativas para o uso do matrimônio somente nos períodos inférteis. Isto pode servir não só para «regular as taxas de natalidade», mas também para escolher os momentos mais adequados para acolher uma nova vida. Entretanto, o casal pode aproveitar estes períodos «como manifestação de afeto e para salvaguardar a fidelidade mútua. Fazendo assim, demonstram um amor verdadeiramente e completamente honesto”.
O que é proibido
- Contraceptivos artificiais continuam vetados
Embora reconheça o valor unitivo do sexo, o Vaticano mantém a rejeição aos métodos contraceptivos considerados “artificiais”, como pílulas, DIU e preservativos. Eles não são citados diretamente no texto. A orientação segue a linha tradicional, indicando apenas métodos naturais para espaçar gestações.
- Relações fora do casamento seguem como pecado grave
A nota enfatiza que o sexo só é moralmente lícito entre um homem e uma mulher casados. Relações extraconjugais — mesmo que motivadas por desejo de afeto ou satisfação — são tratadas como ruptura da fidelidade e do vínculo sacramental.“A defesa da unidade matrimonial no Concílio baseia-se, portanto, em dois pontos firmes: por um lado, o Concílio reitera que a união matrimonial é abrangente, «permeia toda a vida dos cônjuges»[80], e, consequentemente, só é possível entre duas pessoas.”
- Poliamor não tem espaço
Embora não cite nominalmente casos contemporâneos, o documento reafirma a monogamia como propriedade essencial do matrimônio. Isso exclui relações múltiplas, arranjos não exclusivos ou vínculos paralelos, que contradizem a ideia de “uma só carne”.“Todo casamento autêntico é uma unidade composta por dois indivíduos, que exige um relacionamento tão íntimo e totalizante que não pode ser compartilhado com outros”
O que o Vaticano recomenda
- União sexual como parte da “caridade conjugal”
O texto define o sexo como expressão concreta da caridade, isto é, do amor comprometido e responsável dentro do casamento. Não se trata apenas de corpo, mas de uma relação emocional e espiritual que se manifesta também no contato físico.
- Reciprocidade e pertença como pilares
A nota fala repetidamente em “mutua appartenenza” — a pertença recíproca — como base do matrimônio. O sexo seria uma forma de renovar essa aliança e reconhecer que o outro tem lugar central na própria vida.“Casar é uma forma de expressar que se deixou verdadeiramente o ninho materno para forjar outros laços fortes e assumir uma nova responsabilidade para com outra pessoa. Isto é muito mais do que uma mera associação espontânea para a gratificação mútua”.
- Evitar relações guiadas só por desejo ou descontrole
O documento critica a “busca descontrolada pelo sexo” e o que chama de “individualismo consumista pós-moderno”. Para o Vaticano, a sexualidade deve ser vivida de modo consciente, integrado ao amor e à responsabilidade — nunca como mero alívio ou consumo.“Nesse sentido, não podemos ignorar o fato de que, nas últimas décadas, no contexto do individualismo consumista pós-moderno, surgiram diversos problemas, decorrentes da busca excessiva e descontrolada pelo sexo ou da simples negação da finalidade procriativa da sexualidade. Uma peculiaridade das últimas décadas é a negação explícita da finalidade unificadora da sexualidade e do próprio casamento.”
O sexo no casamento como caminho espiritual
- Tradição bíblica reforça a importância da unidade
O texto recupera trechos da Bíblia que tratam da união entre homem e mulher como metáfora da relação entre Deus e seu povo. O sexo, nesse contexto, participa dessa lógica simbólica: é sinal de aliança, não apenas de prazer ou reprodução.
- Poetas e filósofos aparecem como referência
Em uma abordagem incomum para documentos doutrinais, o Vaticano cita autores como Pablo Neruda, Eugenio Montale e até reflexões sobre o amor conjugal de Kierkegaard. Essas referências reforçam o caráter afetivo, simbólico e até poético da vida sexual no casamento.
- “Prazer sim, mas com amor”: a síntese da nova orientação
Embora mantenha posições tradicionais quanto à contracepção e à monogamia, o documento reforça algo que já aparecia no Catecismo, mas ganha destaque agora: o prazer não é condenado. O problema, segundo o texto, está no prazer sem amor, sem compromisso ou sem responsabilidade, que “termina no amargor da solidão”.O sexo, para o Vaticano de Leão XIV, é permitido, desejado e valorizado — desde que vivido dentro do casamento, como expressão de amor e de uma união que pretende ser exclusiva, duradoura e fraterna.Contexto de “Una Caro – Elogio della Monogamia”
Segundo o analista do Vaticano Filipe Domingues, doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Gregoriana e diretor do Lay Centre, o documento não se trata diretamente de uma nova lei da Igreja: “É uma explicação, uma interpretação. Isso pode ser revisto ou atualizado por futuros pontificados, mas tem peso porque vem da Santa Sé, em nome do Papa”.Domingues lembra que o texto não surgiu do zero: já vinha sendo preparado no pontificado de Francisco como resposta a bispos africanos que enfrentam, em seus territórios, a prática da poligamia como tradição cultural profundamente enraizada.“Há contextos em que cristãos vivem em sociedades onde a poligamia é comum por razões culturais e étnicas”, diz. Nessas regiões, a convivência com comunidades muçulmanas — onde a poligamia também é praticada — torna a discussão ainda mais sensível.
Diante desse cenário, os bispos africanos solicitaram um documento que os ajudasse a defender de forma clara a monogamia cristã e a orientar fiéis que vivem em realidades onde o modelo familiar predominante é diverso daquele proposto pela Igreja. Foi nesse contexto que Una Caro ganhou forma e chegou ao formato atual.“A nota foi pensada como apoio pastoral concreto. Ela reafirma a visão da Igreja sobre a união exclusiva entre um homem e uma mulher e oferece elementos para orientar comunidades que convivem com práticas culturais distintas”, afirma Domingues.
Assim, mais que uma formulação teórica, o documento nasce como resposta a desafios reais enfrentados por igrejas locais — especialmente na África — e se insere em um movimento mais amplo do Vaticano de oferecer instrumentos pastorais para situações consideradas delicadas. Domingues destaca que esse é o objetivo central da nota: “Ela não muda a doutrina, mas a explica de modo mais claro diante de contextos culturais complexos”.A partir do trabalho desenvolvido para responder à realidade africana, o documento acabou incorporando uma referência considerada nova na doutrina recente: o poliamor. Domingues observa que esta é “talvez a única grande novidade da nota”, por ser a primeira vez que um texto vaticano menciona explicitamente a existência de arranjos poliafetivos no Ocidente.Segundo ele, isso mostra que o Vaticano aponta que certos modos de vida hoje chamados de poliamor representam, do ponto de vista teológico, uma forma contemporânea de poligamia, e portanto contrariam a compreensão católica de relacionamento exclusivo e totalizante entre dois indivíduos.