Se manda, Moro, vai embora!

Por José Neumanne*

No fim de semana, o presidente Jair Bolsonaro recebeu na página oficial de presidente da República o seguinte apelo de um internauta identificado como Bunny: “Jair Messias Bolsonaro, cuide bem do ministro Moro, você sabe que votamos em um governo composto por você, ele e o Paulo Guedes”. E respondeu: “Com todo o respeito a ele, mas o mesmo não esteve comigo durante a campanha, até que, como juiz, não poderia”.

O recado foi dado no noticiário de fim de semana e, a meu ver, não merecia o destaque que mereceu, mesmo sem levar em conta a extrema miséria do vernáculo a que foi reduzido. Afinal, se se considerar que até que possa ser um simulacro de porque a sentença capenga não configura uma tentativa sibilina de desautorizar, desmoralizar ou apequenar um ministro de Estado.

Nem sequer mais uma das várias farpas que o chefe do governo tem disparado no ministro da Justiça e da Segurança Pública, com a qual ele parece oferecer corda para o ex-juiz se enforcar sem querer se dar ao trabalho sequer de lhe pôr o laço no pescoço.

Pode-se argumentar que no teor da enigmática resposta o signatário reconheceu que, na condição de autor de uma sentença condenatória contra um pretendente à Presidência, certame do qual ele saiu vencedor, o auxiliar não ter sido companheiro de campanha seria compreensível. Mas o argumento foi explicitado de tal forma que não é de todo improvável que venha a ser usado pela defesa de Lula, o candidato que perdeu a disputa sob o pseudônimo de Haddad, como reforço da hipótese de que Moro tenha interferido mesmo no triunfo que seu atual chefe conseguiu nas urnas.

O que o ocupante do posto mais poderoso da República expôs em seu confuso arrazoado foi equívoco de outra natureza. Embora a Constituição, que rege nosso Estado de Direito, esclareça que, ao tomar posse, o vencedor do pleito passa a governar para todos os brasileiros, sem distinção de quem o apoiou ou nele votou, e tenha assumido essa obrigação no discurso de posse, ele atua como se estivesse desobrigado dele por capricho. O candidato do PSL governa para o núcleo familiar e alguns prosélitos dos perfis sociais do próprio (ou do “mesmo”, em linguagem de elevador, como prefere). Muitos dos quais não passam de robôs controlados pelo desorientado vereador do Rio de Janeiro, seu filho chamado de 02, Carlos Bolsonaro. Moro, que não pertence a essa exclusivíssima grei, é tratado como se não desafeto, no mínimo, alheio a ela.

Antes de tomar posse, o vencedor mentiu para o seu desconhecido que convidou para a pasta mais antiga e para a cidadania que o elegeu, ao prometer que lhe daria carta branca no combate ao crime organizado e à corrupção. E também para os fãs de Moro acenou com sua possível indicação para a vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) a ser preenchida em 15 meses com a aposentadoria do decano Celso de Mello.

Moro foi contemplado com toda essa atenção por preencher duas condições básicas para atender aos dois apelos sem os quais não se elegeria o candidato sem tempo na TV, que não participou de debates com outros pretendentes e foi expulso das ruas pela facada que quase lhe tirou a vida. A primeira e mais objetiva delas é a garantia de que a luta contra a bandalheira com recursos públicos e o banditismo comum teria no seu maior símbolo um representante com ministério e carta branca. A segunda, sub-reptícia, mas não muito, é que ninguém no Brasil todo representa mais o antipetismo do que Moro, que condenou o ídolo máximo do PT.

Bolsonaro só conseguiu os votos suficientes para ganhar porque era o único candidato sem nenhum pingo de lama exposto pela Lava Jato e ainda por, ao contrário dos oponentes todos, nunca ter sido acusado em alguma delação premiada de pertencer ao propinoduto da Petrobrás e das grandes empreiteiras corrupteiras. Quase um Pilatos no Credo, digamos.

Ao aceitar o convite e acreditar nas promessas de Bolsonaro, o implacável carrasco dos ladravazes do esquema montado pelos petistas, seus aliados e pretensos adversários tucanos, contudo, não tomou o devido cuidado de se informar sobre eventuais deslizes do clã do pretendente a chefe. Talvez o tenha feito por se deixar ofuscar pelas perspectivas de comandar o bom combate de um posto muito mais elevado que a 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba, na qual se tornou herói nacional. Errou feio e agora paga pelo deslize. Talvez um papo no cafezinho com juízes e procuradores do Rio pudesse tê-lo deixado a par das pilantragens, para ser ameno, do primogênito do ex-deputado de longuíssimo mandato e mínima produção. Talvez ele, que tem resistido à difamação do IntercePT, não desprezasse as evidências se tivesse ouvido tais relatos.

A notícia do Estado sobre a movimentação atípica flagrada pelo Conselho de Controle de Administração Financeira (Coaf) de R$ 1,2 milhão nas contas de Fabrício Queiroz, “amigão” de Jair, ex-motorista de Flávio e parente de servidores abrigados no gabinete de Carlos na Câmara Municipal do Rio, foi publicada em 2018. O furo de Fausto Macedo foi publicado a tempo de Moro ler e pular fora antes de afundar o pé na lama em que se meteu o clã Bolsonaro, que já não gozava do anonimato de antes do poder maior, pois este não tinha ainda assumido a Presidência. Nem Moro havia levado o martelo para a Esplanada dos Ministérios. À época da notícia, é verdade, o fedor não era tão óbvio, mas era público. De lá para cá piorou muito. Principalmente quando se soube do cheque depositado pelo desaparecido Fabrício na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Será que Moro acreditou na desculpa dada pelo chefe do tal empréstimo ao amigo? É, pode ser. Mas…

De dezembro, quando foi publicada a informação do Coaf, para cá se passaram oito meses e tudo só piorou. Flávio nunca, em momento algum, se dispôs a submeter-se a um inquérito. Ao contrário, tentou o tempo todo obstruir qualquer devassa sobre a contabilidade de seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Bateu com a cara na parede em todas as tentativas até o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, atender ao pedido de sua defesa de paralisar a investigação do Ministério Público.

O ministro aproveitou a oportunosa ensancha para estender a mordaça à movimentação financeira das bancas de sua mulher, Roberta Rangel, e da consorte do colega Gilmar Mendes. Oportunosa à beça, hein? Pois então. E aí, de repente, não mais que de repente, como cunhou o poeta Vinicius, Bolsonaro pai esqueceu-se da promessa que fizera ao público (e não a Moro), preterindo-o por um fiel vassalo do sempre advogadinho do PT a vaga que só deverá aparecer no horizonte em 456 dias. Deus do Céu! Quantos elogios, além da condição de “terrivelmente evangélico”, terá o soit-disant cristão, mas nem por isso protestante, marido de Michelle para apregoar as vantagens do advogado-geral da União, André Mendonça para preencher o requisito adicionado à lisura e ao notório saber previstos?
Do depósito na conta de madame (ou conjunta com o maridão, conforme a versão deste) até o momento em que estas linhas são escritas se passaram mais de oito meses. De lá para cá já se descobriu que a avó dela é traficante, um tio é miliciano e outro tio, estuprador, mas nada disso importa, pois ninguém responde por atos e delitos de parentes, ascendentes ou descendentes.

Também se sabe que o casal mora no mesmo condomínio habitado pelo acusado do assassinato de Marielle Franco, mas isso não vem ao caso. Há, contudo, outros acontecimentos mais perturbadores. Todos protagonizados não por Michelle, mas por Jair Messias e seus filhotes.

Sexta-feira 23, em seu artigo quinzenal no Estado Fernando Gabeira perguntou por que cargas d’água o presidente da República se interessa tanto pela delegacia no porto de Itaguaí, no Grande Rio, que, segundo o colega, exporta drogas e importa armas. E de minha perplexidade também sobre isso sobram outras indagações. Será que o chefe dos chefes pensa apenas em forçar Moro a pedir demissão quando põe o Coaf para girar na roda-gigante da especulação, passando do Ministério da Fazenda para o da Justiça, deste para o da Economia e agora para o Banco Central?
Os botões do colete querem saber por que Bolsonaro cita a Constituição, como se não bastasse, para justificar não consultar Moro para demitir o diretor da Polícia Federal, Maurício Valeixo. Um botão, quase caindo, vai além e me lembra que ele nomeou para o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) peixinhos de Davi Alcolumbre, do Centrão, ignorando o ministro. Só que nada é mais importante a saber do que o que diabo este faz no meio das pilantragens do clã Bolsonaro. Ouve Benjor, véi: se manda, Moro, vai embora!

*Jornalista, poeta e escritor