Por Gabriela Castello Buarque/ Folha de Pernambuco – Celebrada neste final de semana, a festa dedicada a São João Batista, santo católico, vai muito além da tradição folclórica regional. Para os devotos, é uma ocasião para renovar a fé e reafirmar o compromisso com os valores espirituais que ele representa.
Precursor do Messias e primo de Jesus, João Batista é reconhecido na comunidade católica pela humildade e pelo papel central na preparação do caminho de Cristo, uma ponte entre o Antigo e o Novo Testamento.
No bairro do Sancho, na Zona Oeste do Recife, a comunidade da Paróquia de São João Batista tem sido um pilar de fé e devoção há mais de um século.
Fundada em 1918, a comunidade é a mais antiga da Arquidiocese de Olinda e Recifededicada ao religioso e não só celebra a festa de São João em junho, mas vive a mensagem de humildade e fé que ele representa diariamente.
“Durante mais de um século, homens e mulheres de diversas origens sociais têm testemunhado sua fé e devoção a São João Batista. Ele é uma figura que prepara o caminho para a chegada do Messias, Jesus Cristo, convidando-nos constantemente à reconciliação com Deus”, afirma o pároco da igreja, padre Irismar Farias.
Padre Irismar Farias, pároco da Igreja de São João Batista, no Sancho.
O sacerdote destaca ainda que São João Batista é um modelo de humildade e explica a profundidade dessa devoção. “João Batista usa uma expressão belíssima: ‘É preciso que eu diminua para que Ele cresça.
“Há uma humildade profunda em um profeta que anuncia o Salvador da humanidade. É ele quem batiza o próprio Jesus Cristo para testemunhar que a missão dele está completa. Testemunhando o autor do batismo, o próprio Jesus Cristo, esse não é mais um batismo de conversão. Vem para salvar homens e mulheres pela remissão de nossos pecados”, conta o padre.
A devoção à São João Batista
Essa humildade é refletida na vida de devotos como a professora aposentada e atual guardiã do andor da paróquia, Maria Auxiliadora, de 82 anos, que encontrou orientação e propósito na devoção a São João Batista.
Para Maria, essa devoção tem sido uma jornada de transformação e orientação espiritual que começou ainda na infância, em 1954, quando era trazida pela mãe à Paróquia de São João Batista e brincava no altar, maravilhada com as imagens.
“Comecei a minha devoção a São João Batista há muitos anos, mas foi no ano passado, quando fui sorteada para ser guardiã do andor, que senti uma mudança profunda. Estava passando por um momento difícil, e ele me mostrou o caminho certo quando eu me sentia perdida. Hoje, a minha fé nele é uma parte essencial da minha vida”, relatou a devota.
O andor de São João
O Guardião do Andor é escolhido por um sorteio realizado entre os fiéis da paróquia em cada dia 24 de junho.
O fiel escolhido, pelo chamado, como falam, leva o andor para casa e passa um ano sendo “o guardião”, orando com o estandarte e se comprometendo a levá-lo à paróquia ou a grupos de oração nos dias 24 de cada mês, quando são realizadas as novenas.
No período junino, o andor retorna para a paróquia.
“Eu o coloquei na entrada do meu terraço. Me sentava em uma cadeira na frente dele e ficava horas orando e conversando com ele, e ele me respondia e aconselhava”, conta Maria.
Celebração de São João Batista
Segundo pesquisadores e estudiosos, São João Batista representa a união do espiritual e do cultural em uma celebração que transcende o tempo e as tradições.
O professor doutor Padre Delmar Cardoso, pró-reitor Comunitário e de Extensão da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), explica a relevância de São João Batista, celebrado mundialmente desde os primeiros séculos do cristianismo na tradição católica.
“Ele é o único profeta que apontou diretamente para o Salvador e também batizou Jesus. Sua festa, que substitui o domingo litúrgico, é uma das solenidades mais importantes da Igreja e se iniciou por volta do quarto século, refletindo sua grandeza e a devoção que inspira. A catedral da cidade de Roma, a mais antiga e mais importante entre as seis basílicas papais do mundo, São João de Latrão, é uma igreja dedicada a ele.”
Com relação à celebração festiva, o professor esclarece que parte da tradição seria, também, uma herança das festas que já existiam no calendário romano, que foi zerado após o nascimento de Cristo.
“São João é muito celebrado na Igreja do ponto de vista litúrgico; é uma solenidade que, por exemplo, pode substituir o domingo, o que normalmente não acontece com outros santos. No entanto, essas datas, como o nascimento de São João e de Jesus, foram marcadas como não históricas. São celebrações que a Igreja utilizou daquilo que já existia como festas romanas, que eram ligadas à astronomia, como o chamado solstício. Então, como os romanos cultuavam o sol, eram festas ligadas às estações do ano”, detalha.
A festa de São João
A professora e historiadora Lídia Rafaela, da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), explica como a celebração de São João Batista no Brasil se tornou a festa que conhecemos atualmente.
Segundo a historiadora, o início da comemoração de São João no Brasil data do período colonial.
“Ele é um santo muito próximo de Cristo e muito difundido na região da Península Ibérica e na Europa em geral. Assim, essa devoção chegou ao Brasil por volta do período colonial. Desde então, a festa de São João é marcada pela integração de elementos culturais locais, como a celebração das colheitas e a influência das tradições indígenas, com a tradição da devoção católica. A fogueira e o milho são símbolos centrais dessa celebração, que mistura o sagrado e o profano em uma tradição rica e dinâmica.”
No entanto, Lídia explica que os festejos juninos que conhecemos hoje começaram a ser desenhados no período republicano.
“Essa ideia da festa na roça, com a família, e depois as quadrilhas, também foi sendo reinventada após meados do século 20, por volta das décadas de 1970 e 1980. É a partir desse período que a gente passa a ter o forró e essa festa mais turística, com a marca do que é hoje. Então, a gente não simplesmente aceitou a festa de São João da forma como ela chegou ao Brasil, ela foi adaptada de acordo com nossas crenças e tradições”, concluiu a pesquisadora.
Mártir de São João Batista
Além da celebração do nascimento de São João Batista em junho, a Igreja Católica também tem a solenidade do martírio de São João Batista, que aconteceu por volta de 31 d.C (depois de Cristo), em 29 de agosto. A data é dedicada a lembrar o sacrifício final do profeta.
Segundo textos bíblicos, João Batista foi condenado à morte pelo próprio irmão de criação, Herodes, uma espécie de governador da época. O religioso criticava a vida adúltera do irmão, que havia casado com a cunhada Herodíades.
Segundo o evangelho de Marcos (Mar 6.14-29) a filha de Herodíades, Salomé, dançou para os convidados e Herodes no aniversário da mãe. Deslumbrado, ele disse que lhe daria tudo o que pedisse. Assim, Salomé, fazendo a vontade da mãe, pede a cabeça de João Batista numa bandeja. Herodes, triste, fez como havia prometido e exibiu o feito diante dos convidados.