Na segunda-feira da semana passada (30), o programa de entrevistas Roda Viva recebeu Jair Bolsonaro (PSL). A sensação é que o candidato foi muito bem e que a bancada de jornalistas “perdeu”.
Penso que houve diversos problemas. Alguns com solução, outros não.
O maior deles foi a insistência da bancada de jornalistas em temas ligados à ditadura: o golpe militar, se foi golpe, se houve tortura, as ações do ex-comandante do DOI-Codi de São Paulo, Carlos Alberto Brilhante Ustra, entre outros.
São temas que chocam os jornalistas e muitas outras pessoas. Mas não chocam o candidato e seu eleitorado, boa parcela da população brasileira, além de serem assuntos sobre os quais o entrevistado gastou boa parte dos últimos 30 anos pensando. Responde com firmeza e facilidade.
Os jornalistas não serão capazes de alterar a visão de mundo do candidato, dos seus eleitores nem da população que não tem uma avaliação tão dura, seja da ditadura, seja da tortura, seja de que bandido bom é bandido morto. Entrevista de candidato não é curso de moral e cívica.
O erro dos jornalistas foi confundir a posição deles enquanto profissionais, cuja função é melhor informar a sociedade, com as suas próprias pessoas, suas visões de mundo e seus valores.
Perdemos oportunidade de saber as propostas do candidato sobre: a reforma da Previdência; a reforma de Temer que elimina a integralidade e a paridade com o salário dos ativos para servidor público ingressante no serviço público anteriormente a 2003 se não cumprir idade mínima no serviço público; aumento de impostos e a forma de zerar o déficit público em alguns anos, entre outros tantos temas mais prementes.
Houve também momentos em que os entrevistadores foram pegos despreparados. Por exemplo, o jornalista Leonencio Nossa fez uma pergunta pertinente em que aludia às evidências da participação de pessoas do gabinete do deputado, e de políticos ligados a ele, no episódio covarde e ilegal da greve da PM do Espírito Santo, no exato momento que o governador estava afastado em tratamento de saúde em São Paulo.
O fato foi noticiado pelo jornal O Estado de S. Paulo em 25 de fevereiro de 2017. Bolsonaro negou peremptoriamente. A formulação da questão teria de explicitar com mais clareza todas as evidências dessa participação.
Mas o episódio acima ilustra também um aspecto com o qual é difícil de se lidar. Como entrevistar pessoas que não se constrangem ao serem pegas mentindo deslavadamente, negando o que é claramente verdade? E se o eleitorado não fica chocado de a pessoa mentir livremente?
O jornalista Bernardo de Mello Franco perguntou sobre a atuação parlamentar do candidato. Bolsonaro respondeu que produziu mais de 500 projetos de lei. Mello Franco corrigiu. Mostrou que eram 172. Ficou por isso mesmo.
Nem o candidato se constrangeu por ter mentido deslavadamente nem deve ter perdido um único eleitor por demonstrar tão pouco apreço pela verdade em tema comezinho que certamente domina.
Quando a mentira simples, crua, clara e explícita deixa de causar constrangimento, estamos a meio caminho da degradação do processo político.
A nota triste para mim foi sentir a grande semelhança entre Bolsonaro defendendo a ditadura brasileira e José Eduardo Cardozo, por exemplo, afirmando há algum tempo em programa de Míriam Leitão que na Venezuela “há dois lados”, no sentido de que são igualmente legítimos.