‘A lógica da alimentação parece simples. Ela remete à ingestão de nutrientes essenciais ao funcionamento do corpo, proporcionando diariamente saúde, prazer e até sociabilidade. Mas quando essa relação muda de sentido e o simples ato de comer se torna um pesadelo? Eis a base para os distúrbios alimentares mostrarem o lado cruel dessa moeda, influenciados por pressões socioculturais, componentes biológicos, genéticos e psicológicos, que afetam boa parcela da população no mundo inteiro.
Na linha de frente da maioria dos diagnósticos estão bulimia, anorexia nervosa e Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) por alimentos. Situações em que o efeito não é apenas a do emagrecimento, mas também o da ocorrência da obesidade que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), é um dos maiores problemas de saúde pública, com projeção para 2,3 bilhões de adultos em sobrepeso e mais de 700 milhões de obesos, até 2025. É, para muitos profissionais da área clínica, a epidemia do século 21. Enquanto isso, um em cada 250 jovens no Brasil sofre da extrema magreza causada pela distorção da própria imagem.
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No consultório do médico nutrólogo Jêmede Valença, em Casa Forte, a frequência massiva é de pacientes compulsivos pelo ato de comer, sendo a maioria do sexo feminino desde a adolescência até a maturidade. “Recentemente, atendi o problema de bulimia numa mulher de 40 anos, que estava em sobrepeso e já havia perdido mais de 10 quilos, mesmo assim queria eliminar ainda mais sem precisar induzir o vômito diariamente”, lembra. O caso resume a busca obsessiva pelo emagrecimento que, em estágios como este, denuncia o diagnóstico por conta de dentes amarelados, desidratação, mau hálito e esofagite – inflamação na mucosa do esôfago. Ainda segundo o especialista, o ato agressivo de colocar o dedo na garganta logo após uma comilança carregada de calorias não é o único indício de bulimia, já que também é frequente o uso de laxantes nesse ciclo de fartura, negação e culpa.
O médico também alerta que os motivos responsáveis pelos transtornos não podem ser avaliados isoladamente. “Pelo menos 90% dos neurotransmissores, substâncias químicas produzidas pelos neurônios, são transmitidos por estímulos que partem do intestino, por isso há situações também relacionadas a essas alterações bioquímicas, com baixo nível de neurotransmissores ou resistência a eles. O lado genético também deve ser observado, pois fatores externos podem ativar os genes propensos a desenvolverem o problema”, argumenta.
Além disso, é fácil perceber o quanto as emoções influenciam na alimentação como desvio das atenções sobre questionamentos próprios. É mesmo na mente que as distorções afloram. Segundo a psicóloga Tatiana Feldmann, é difícil identificar os primeiros sinais por conta das variações emocionais. “Surge em indivíduos muito jovens, que tem como característica um certo desconhecimento sobre si mesmo. A anorexia nervosa, por exemplo, pode ser caracterizada como uma alteração profunda da imagem corporal, levando a uma busca incansável pela forma física esbelta até chegar ao ponto de inanição”, diz ela sobre a doença em que o paciente se torna excessivamente magro, mas continua acreditando estar obeso. É responsável pelo índice de mortalidade entre 15% e 20% dos casos.