Por: Vinicius Doria / Henrique Lessa / Correio Braziliense – Chega hoje a Brasília o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, para uma reunião com o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, no Itamaraty. O mais importante porta-voz do governo russo e homem de confiança do presidente Vladimir Putin, Lavrov tem como missão não só negociar temas de interesse da Rússia, mas, principalmente, defender a narrativa de Putin em relação à invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022.
A agenda oficial do encontro entre os dois chanceleres prevê uma rodada de avaliação da guerra na Ucrânia, além de assuntos de interesse bilateral, como comércio, investimentos, ciência e tecnologia, defesa, cultura e educação. Fora da pauta divulgada pelo Itamaraty, o Correio apurou que os dois países estão buscando uma alternativa diplomática para viabilizar a presença do líder russo no encontro de cúpula de chefes de Estado do Brics — acrônimo de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul que batiza o grupo dos chamados emergentes —, previsto para ocorrer em agosto, em Johanesburgo, na África do Sul. Putin tem contra ele uma ordem de prisão expedida pelo Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra.
O governo russo, que já conta com o apoio limitado da China, aposta na interlocução com os demais sócios do agrupamento nas tratativas internacionais para a solução da guerra em solo europeu. Do lado brasileiro o foco na Rússia está também em firmar acordos de transferência de tecnologia bélica e da área de energia nuclear. O agronegócio brasileiro também depende fortemente da importação de fertilizantes da Rússia. Dentro da estratégia de manter uma posição de neutralidade, sem provocar o parceiro russo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou, em janeiro, a transferência para a Alemanha de munição para blindados que poderiam ser repassados para as forças ucranianas no conflito.
Na recente viagem à China, Lula e o líder chinês, Xi Jinping, reforçaram o entendimento de que os dois países não fornecerão armas a nenhum dos dois lados em guerra, e defenderam uma solução negociada para o conflito. Enquanto isso, a Rússia busca se aproximar dos seus parceiros do Brics, tentando sair das cordas que o isolamento internacional promovido pelos aliados ocidentais da Ucrânia tem promovido.
Nas declarações dadas durante a viagem à Ásia, o presidente brasileiro deixou clara a posição do país em apoiar negociações diplomáticas para encerrar o conflito armado, chegando até mesmo a relativizar o fato de a Rússia ter rompido convenções internacionais de não agressão e de não violação da integridade territorial dos países. “A construção da guerra foi mais fácil do que a saída da guerra, porque a decisão da guerra foi tomada por dois países”, disse Lula, em entrevista nos Emirados Árabes Unidos, no sábado, em escala de retorno ao Brasil.
No encontro com o líder dos Emirados Árabes Unidos, xeique Mohamed bin Zayed Al Nahyan, o petista voltou a criticar os Estados Unidos e a União Europeia sobre o apoio que dão à Ucrânia, incluindo o fornecimento de armas, munições e acesso a redes de comunicação por satélites e inteligência militar. “A paz está muito difícil. O presidente Putin não toma iniciativa de paz, o (presidente da Ucrânia, Volodimir) Zelenski não toma iniciativa de paz. A Europa e os Estados Unidos terminam dando a contribuição para a continuidade desta guerra”, acusou Lula.
Apesar do tom pessimista, o líder brasileiro pretende se colocar como um dos negociadores do processo de paz entre as duas nações, com o apoio da China. Lula e Xi Jinping decidiram não apoiar o bloqueio econômico à Rússia, imposto pelos sócios da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) — um acordo de defesa mútua entre EUA e a maioria dos países da UE. Os dois outros sócios do Brics — Índia e África do Sul — também negaram apoio às sanções econômicas.
Incômodo
“O simples fato de o Lavrov ser recebido aqui é uma vitória da Rússia em um motivo de incômodo para os Estados Unidos e para a Europa em momento que isso não é bom para eles nessa rodada do conflito”, comentou Hugo Albuquerque, especialista em relações internacionais da Editora Alternativa Literária.
Ele apontou que o encontro também representa um gesto simbólico para a Rússia demonstrar que não está isolada no sul global. “Isso vai trazer uma fervura para o Brasil, que é visto como um fiel da balança, assim como a Índia, e receber o Lavrov tem um peso muito grande para a Rússia, ainda mais em um momento em que a economia dos Estados Unidos e da Europa não vai muito bem”, explicou. “Importante lembrar que as forças da Ucrânia dependem do financiamento euro-americano, o que pode ser difícil em uma crise”, ponderou o especialista.
Negociador implacável
No comando da diplomacia russa desde 2004, Sergey Lavrov é considerado um dos auxiliares mais fiéis ao presidente Vladimir Putin. Segundo diplomatas, as falas do chanceler são mensagens diretas do próprio presidente Putin. Diplomata nos últimos 50 anos — primeiro da União Soviética, depois da Rússia —, Lavrov é respeitado e poderoso dentro e fora da Rússia. Em seus 10 anos como embaixador da Rússia na Organização das Nações Unidas (ONU), ele foi considerado um habilidoso negociador e, nesse tempo, conquistou a fama de pessoa acessível com jornalistas do mundo inteiro.
Desde a invasão russa à Ucrânia, contudo, Lavrov vem enfrentando revezes. Principal portavoz da versão russa da guerra, ele teve seus bens no exterior congelados e está submetido a sanções de entrada em países ocidentais.