Por: Correio Braziliense – Falar de menstruação ainda é um tabu na nossa sociedade, visto que é uma temática repleta de desinformação e estigmas. Para homens trans, o caminho pode ser ainda mais tortuoso, dado que eles têm que enfrentar como barreira adicional, o preconceito, fator determinante para pobreza menstrual – termo comumente associado à falta de itens de higiene durante o ciclo, mas que também engloba a ausência ou precariedade de infraestrutura no ambiente onde vivem, como banheiros, além de informação suficiente para lidar nesse período – em homens transmasculinos.
“Eu particularmente queria que a primeira mudança, quando comecei minha terapia hormonal, fosse a menstruação parar”, conta Frederico Sóter, 28. Contudo, diante do aumento dos preços dos remédios usados na hormonização, teve que interromper o tratamento, portanto voltou a menstruar. “São dias bem difíceis pra mim, é um gatilho forte”. Frederico também ressalta a dificuldade de ter acesso à informação devido a falta de profissionais especializados.
Para Bernardo Carvalho, 24, parar de menstruar foi um alívio, pois não precisa mais ficar preocupado com sua roupa e nem se sentir invalidado por estar mais sensível neste período. Ele afirma que a pobreza menstrual em homens trans se inicia a partir do momento que há uma recusa de assumir que homens também menstruam. “Isso também vem muito do fato das pessoas cis tratarem a menstruação como se fosse um monstro de sete cabeças quando se olha de fora, sendo que na realidade é algo tão comum quanto respirar”.
A psicóloga Tatiana Nardoni, cuja atuação tem foco na diversidade de gênero e transgeneridade, explica que a construção cultural em torno da menstruação, como um fenômeno biológico exclusivo do universo feminino, exclui pessoas transmasculinas e não binárias. Ela trabalha no Ambulatório de Diversidade de Gênero da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (Ambulatório Trans – SES/DF) e conta que lá é muito comum encontrar homens trans que nunca se consultaram com ginecologistas.
“Da minha experiência profissional, o ciclo menstrual (‘monstruação’ – como costumeiramente se referem) costuma se configurar em fator de intenso sofrimento para muitas pessoas, mas principalmente pela constante associação da menstruação ao universo feminino”, testemunha Nordoni. Ela ainda acrescenta que “outro fator bastante comum de sofrimento e disforia costumam ser os seios para pessoas transmasculinas, os chamados “intrusos”, é comum o desejo de realização da cirurgia para retirada das mamas e reconstrução dos mamilos para adquirir aparência de um peitoral mais masculino”. A psicóloga ainda ressalta que nenhuma dessas condições é regra, “existem pessoas não binárias que não desejam se hormonizar, que convivem com a menstruação e seios, mas para outras tantas pessoas, esses fatores podem gerar intenso sofrimento”.
Essa associação da menstruação ao feminino está muito presente quando vão comprar absorventes ou o remédio para cólica. “É simplesmente um saco ver um monte de embalagem rosa (o que também já é problemático) e com o gênero explícito escrito na caixa (tipo “seja linda” ou “você é cheirosa” e essas coisas genéricas e bregas). É péssimo e é uma experiência horrível que eu detestava”, comenta Bernado.
Júlio Cardia, diretor executivo do Centro LGBTS + de Brasília, avalia que o governo do Distrito Federal (GDF) e o governo federal ainda estão “engatinhando” no que tange políticas públicas mais inclusivas para a comunidade LGBTQIAP . Por fim, Tatiana destaca a relevância ao acesso à informação qualificada. “Precisamos falar sobre o assunto, desmistificar, trazer à tona essas e outras tantas questões correlatas às vivências trans, para diminuirmos a desinformação, o preconceito, e ampliarmos cada vez mais a inclusão dessas pessoas na sociedade e o acesso a diversas políticas públicas a que têm direito”.