Por Helio Gurovitz
A operação de busca e apreensão promovida ontem pela Polícia Federal (PF) nos gabinetes do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho, expõe a maior contradição do bolsonarismo depois que chegou ao poder: a necessidade de aliar a representantes do que chamava de “velha política” para fazer andar sua agenda legislativa.
Nada mais “velha política” que o pernambucano Bezerra Coelho, acusado de receber R$ 5,5 milhões em propinas no inquérito que motivou a operação, derivado da delação dos proprietários do jatinho cuja queda matou o governador Eduardo Campos em 2014 (na época aliado de Bezerra Coelho e candidato à Presidência).
Trata-se de apenas um dos sete inquéritos a que Bezerra Coelho responde no Supremo Tribunal Federal (STF). Nome de relevo na política pernambucana e líder de uma das mais poderosas oligarquias regionais, já passou por cinco partidos, sem a menor consistência ideológica: PDS, PFL, PMDB, PPS, PSB e, desde 2017, MDB. Foi ministro de Dilma Rousseff, seu filho foi ministro de Michel Temer e, desde o início do ano, tornou-se líder do governo Jair Bolsonaro no Senado.
Nesse papel, Bezerra Coelho é essencial para a aprovação de projetos governistas. A começar pela reforma da Previdência, cuja primeira votação no Senado é prevista para a semana que vem. Mas também as indicações de Augusto Aras para chefiar a Procuradoria-Geral da República (PGR) e, mais relevante ainda para o presidente, de Eduardo Bolsonaro para o cargo de embaixador em Washington. Bezerra Coelho se tornou o rosto do bolsonarismo nos corredores do Senado.
Determinada “de ofício” pelo ministro Luís Roberto Barroso há cerca de dez dias, a operação de ontem atendeu a um pedido da PF, sem contar com o aval da então procuradora-geral Raquel Dodge, que sempre resistiu no cargo a enfrentar os interesses mais graúdos e às operações mais espalhafatosas.
A operação se dá num momento de crise para a Operação Lava Jato (leia mais aqui) e num quadro político delicado para a PF: seu diretor-geral, Maurício Valeixo, acaba de ser mantido no cargo contra a vontade de Bolsonaro, que chegou a fritá-lo em público por divergências ligadas a investigações que atingem interesses de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro. Se Valeixo caísse, é provável que o ministro Sergio Moro, cuja tensão com Bolsonaro só tem crescido, também saísse do governo.
Como resultado, amplia-se a tensão entre os poderes. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, decidiu recorrer ao STF contra a decisão de um ministro do próprio STF. Tramita na Casa o pedido de uma CPI para investigar os juízes do Supremo, conhecida como Lava Toga. Alcolumbre resistiu a levá-lo adiante, depois da aproximação entre Bolsonaro e o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, que beneficou Flávio com uma decisão que paralisa investigações fiscais.
A Câmara aprovou recentemente a Lei de Abuso de Autoridades, que contraria a visão de Moro e dos procuradores da Lava Jato. Até agora tem deixado em segundo plano o pacote de medidas contra o crime e a corrupção, essência do plano de governo do ministro. Enquanto isso, parlamentares têm aberto várias iniciativas para resgatar poderes tolhidos no auge da Lava Jato – entre as quais o afrouxamento da legislação eleitoral.
Não há como Bolsonaro escapar do dilema. Ele precisa de personagens como Bezerra Coelho e da “velha política” para fazer andar sua agenda. Ao mesmo tempo, foi eleito com um programa de governo que previa acabar com essa turma. A intransigência poderia lhe custar ainda mais caro e paralisar completamente o país.
O preço que Bolsonaro paga é sentido aos poucos nos índices de popularidade, à medida que decepciona o eleitor que via nele um símbolo de honestidade e luta contra a corrupção. Por enquanto, a presença de Moro no governo ainda tem servido de antídoto. Mas o ministro já deu sinais de ambições para 2022. Sua permanência no governo é hoje questão de conveniência e circunstância.
A operação de ontem mostra que as corporações cujo poder aumentou com a Lava Jato e o combate à corrupção não estão interessadas em perdê-lo. E torna Moro, mais que Bolsonaro, o portador dessa bandeira popular. Torna mais evidente para o público um conflito que o presidente preferiria manter restrito aos gabinetes de Brasília.