Por: Correio Braziliense – Talvez você nunca tenha escutado nada sobre a neuromielite óptica, mas estudos recentes, realizados pelo Comitê Brasileiro de Pesquisa e Tratamento em Esclerose Múltipla (BCTRIMS), na cidade de Belo Horizonte, constataram a existência de 4,5 casos por cada 100 mil habitantes Brasil, o que coloca o Brasil como o segundo país com maior número de casos no mundo e alerta para a necessidade de conscientização voltada à doença.
A neuromielite óptica é uma doença rara, autoimune e inflamatória, que afeta o sistema nervoso central. O distúrbio caracteriza-se por atingir e destruir os nervos ópticos e da medula espinhal, causando perda da visão, dificuldade para andar, dormência nos braços e pernas, entre outros. Por apresentarem sintomas relativamente semelhantes, a doença foi considerada, por muito tempo, uma variante da esclerose múltipla, porém, presentemente classificam-se como diagnósticos diferentes.
Exige, ainda hoje, análise minuciosa e exames específicos para classificar corretamente o paciente portador da neuromielite, pois é comum que seja confundida com esclerose múltipla. Ainda não há cura para a enfermidade, no entanto, existem tratamentos capazes de diminuir ou minimizar a gravidade do quadro.
A enfermidade atinge predominantemente as mulheres — em quase 90% dos casos — e sua incidência ocorre, principalmente, entre a terceira e a quarta década de vida.
Sintomas
– Vômitos sem motivos aparentes.
– Comprometimento da visão de um ou dos dois olhos.
– Déficits motores agudos nos quatro membros.
– Outras manifestações neurológicas são alguns dos sintomas identificados em pacientes com neuromielite óptica.
Diagnóstico
A neurologista Priscilla Mara, do Hospital Anchieta de Brasília, explica que pelo menos 20% dos portadores da doença apresentam sinais que remetem à esclerose múltipla e, por isso, existe uma grande dificuldade na hora de distinguir os diagnósticos.
“Os sintomas iniciais da neuromielite e da esclerose múltipla podem ser muito semelhantes, mas na EM a gente não tem a presença do anticorpo Aquaporina 4. Em alguns casos, é até difícil fazer o diagnóstico diferencial, muitas vezes a gente começa tratar o paciente como EM e, às vezes, esse paciente tem, na verdade, outro diagnóstico”, detalha.
Tratamento
O tratamento da Neuromielite óptica inclui o uso de altas doses de corticoides, podendo ser utilizada, ainda, a plasmaférese, modalidade terapêutica em que o sangue é passado por uma máquina, que o filtra e retira os anticorpos e mediadores inflamatórios que provocam a doença.
Para evitar que o paciente tenha novos surtos, utiliza-se os imunossupressores, que são as medicações que reduzem a imunidade e diminuem a produção de anticorpos. O neurologista Jefferson Becker, presidente do Comitê Brasileiro de Pesquisa e Tratamento da Esclerose Múltipla (BCTRIMS), ressalta a importância de iniciar o tratamento o mais rápido possível. “O ideal é que não se perca tempo, pois os surtos, em geral, são muito mais graves e potencialmente mais incapacitantes do que na esclerose múltipla”, explica.
Palavra do especialista
Qual o perfil de pessoas mais afetadas pela doença?
Cerca de 90% dos pacientes diagnosticados são mulheres. É comum especialmente em pacientes que têm outras doenças autoimunes, sobretudo reumatológicas, como lúpus e Sjögrenj, por exemplo. Nesses pacientes, ela é, inclusive, mais comum que a esclerose múltipla.
Como se dá o diagnóstico?
Existem critérios compostos por um painel internacional que definem a patologia. A gente pode ter o diagnóstico com a presença do anticorpo antiaquaporina 4 e mais um dos seis critérios típicos da doença. Ou o paciente pode ter a doença mesmo sendo soronegativo, mas aí os fundamentos para avaliação são mais restritos — o paciente precisa ter dois dos seis critérios típicos e um dos três critérios mais importantes, que são: mielite (inflamação da medula), neurite óptica (inflamação do nervo do olho) ou uma inflamação da área postrema do encéfalo (parte do bulbo, componente do tronco cerebral). Os pacientes apresentam vômitos e soluços incoercíveis e, muitas vezes, nem procuram o atendimento neurológico, mas, sim, o gastroenterologista. Geralmente, o especialista gastro não acha nada porque o problema não é gastroenterológico e acaba atrasando o diagnóstico de neuromielite óptica.
Um paciente diagnosticado com a doença pode viver normalmente sem danos à qualidade de vida?
Pode, sim, ter uma qualidade de vida boa, mas isso vai depender da resposta ao tratamento. Isso porque os ataques na neuromielite óptica são bem mais incapacitantes do que na esclerose múltipla. O paciente costuma ter sequelas maiores, podendo ficar cego de um ou dos dois olhos, paraplégicos e com incontinência urinária total. Os surtos costumam ser mais graves e causar mais sequelas. Mas se tratarmos os pacientes adequadamente e rapidamente, ele pode, sim, ter uma qualidade de vida normal.
DJefferson Becker é neurologista graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pós-graduado em neurologia no National Hospital for Neurology and Neurosurgery de Londres, professor em neurologia da PUC-RS e presidente do Comitê Brasileiro de Pesquisa e Tratamento da Esclerose Múltipla (BCTRIMS)