*Por Marcelo Tognozzi
Olho para esta campanha presidencial e tenho a sensação de que está faltando alguma coisa. Não é a 3ª via, porque esta, faz tempo, é a viúva Porcina da vez: foi sem nunca ter sido. Nunca vi tanta trapalhada numa linha de largada. Sergio Moro (União Brasil) beirava os 9% quando decidiu pular fora da disputa. Nos últimos 40 anos acompanhei de perto todas as eleições; nunca vi alguém desistir de uma disputa presidencial ocupando um radiante 3º lugar.
Mas Moro é Moro, né? Ali rola de tudo, que nem aquela música do Barão Vermelho, Perdidos na Selva. O cara saiu pela porta dos fundos do partido que tinha esticado um tapetão vermelho para ele e sua excelentíssima mulher. Foi se pegar com o partido mais rico de todos, o União Brasil, mesmo sabendo que não mandaria no seu destino político. E dá-lhe Perdidos na Selva.
A turma do andar de baixo não se entende, não decola e o máximo que conseguirá é um registro histórico na Wikipedia, como alguns dos que concorreram nas eleições de 1989. O leitor certamente recordará dos famosos daquele tempo, como Armando Corrêa, Zamir José Teixeira, Eudes Oliveira, Livia Maria ou Affonso Camargo. Tudo top 10.
A diferença entre este pessoal de 1989 e os de agora é que naquela época futuro era uma palavra mágica, que perdeu o brilho e se tornou obsoleta. É incrível como nenhum dos candidatos, fortes ou fracos, populares ou não, fala de futuro nesta eleição de 2022. Eu diria que esta é uma eleição sem futuro, como foi a de 1950.
Naquela época, os 2 principais candidatos se dedicaram a falar do passado numa eleição polarizada. Getúlio Vargas ganhou defendendo seu legado de 15 anos de presidência e Eduardo Gomes, o 2º colocado, se dedicou a falar mal do passado do seu oponente. Getúlio acabou vencendo, mas não teve futuro. Ou melhor; seu futuro foi um beco sem saída. Nos deixou uma carta testamento dedicada ao seu passado, ao tempo em que “era escravo deste povo que não será mais escravo de ninguém”. Durante décadas foi a melhor peça de marketing político já produzida e reproduzida. O brigadeiro? Bem, este entrou para a história sem morrer, perdendo para Carlos Lacerda o posto de principal opositor do ex-ditador que voltava depois do banho de urna. Nas 3 décadas seguintes, até morrer em 1981, Eduardo Gomes não foi mais que um passado flutuante, às vezes inconveniente.
Transcorridos 72 anos, vejam só o que temos no cardápio eleitoral: passado. É muito esquisito que depois de tudo que vivemos e ainda estamos a viver – pandemia, desordem na economia mundial, desemprego, inflação voltando, pobreza aumentando – o passado seja mais relevante que o futuro. Será que endurecemos de vez? Será que os sonhos viraram supérfluos? Será que a encruzilhada Lula–Bolsonaro sequestrou nossa capacidade de apostar no futuro? Ou será que o futuro saiu de fininho para não ser engolido pelo passado?
Até agora não vi ninguém, absolutamente ninguém, dizer como será o futuro em 2023, depois de empossado o novo governo. Não sei qual o projeto econômico, quais as soluções propostas para nossa educação, se haverá investimentos em pesquisas na saúde para voltarmos a ser um país produtor de vacinas. Não sei o que farão com nossas riquezas e nem com nossas pobrezas.
A única certeza que tenho é que, no dia em que o próximo presidente da República tomar posse, o Centrão estará lá. O Centrão é hoje nosso presente. Representa o poder de um Congresso que ganhou do Supremo a carta de alforria no alforje do financiamento público das campanhas. Hoje, os partidos maiores, mais ricos e bem-organizados do legislativo são todos do Centrão. Seu poder no presente é justamente decidir sobre nosso futuro, já que aqueles que deveriam se preocupar com isso fizeram do passado prioridade.
Quando Collor foi apeado do poder, Itamar quis marcar data para tomar posse. Levou um puxão de orelha de Ulysses Guimarães: “Não existe vazio de poder, Itamar. Assuma!”. Com o vazio de poder da falta de propostas e programas de governo, tenho certeza de que será este Congresso comandado pelo Centrão o protagonista da pauta econômica e social do próximo – seja ele qual for – governo. E será pelas suas qualidades de resiliência, competência política, profissionalismo e capacidade de dividir poder unindo.
O futuro sempre foi uma moeda eleitoral poderosa. Nos últimos 40 anos, as Diretas-Já, a eleição de Tancredo, o Plano Cruzado, a eleição de Collor contra o atraso, o Real de Fernando Henrique, Lula e o fome zero, tudo isso foi de um valor eleitoral inestimável, tudo era futuro. Mas tudo isso passou. Esta eleição virou um museu de grandes novidades, como na poesia de Cazuza.
Até aqui esta campanha tem sido uma disputa de passados, honrados ou não, e de uma forma tão acirrada que ficou impossível cravar quem será o próximo presidente. Se tudo seguir o script, se o imponderável não fizer uma surpresa, vamos acordar desta eleição com uma baita ressaca de passado. E tendo de seguir em frente porque, querendo ou não, o tempo não para e o futuro que o passado engoliu será vomitado e estará logo ali. E, pode ter certeza, ele não brinca em serviço. (via Blog do Magno Martins)
*Jornalista