Maurício Rands
O Brasil até hoje não deu certo. Nosso povo continua a sofrer muito. Os serviços públicos seguem péssimos. A corrupção ainda desvia recursos que neles poderiam ser invertidos. A burocracia do estado impede a produtividade e o desenvolvimento. Precisaríamos de um governo com mais clareza de projeto. E também de uma oposição organizada e consistente. Com partidos enraizados nas lutas do povo e com líderes que entendam seus problemas. Lula ainda lidera o partido mais forte da oposição. O mais enraizado na sociedade civil. Seu governo teve o mérito de universalizar as políticas sociais e priorizar a erradicação da pobreza. Por isso, sua entrevista à FSP e ao El País (26/4/19) importa para sabermos como evoluiu seu pensamento na prisão.
Mas o que se viu foi mais do mesmo. Ele reiterou sua inocência, com respostas vagas (‘Ela – a corrupção – pode ter havido’). Mas segue se dizendo vítima de uma conspiração. Que envolveria os juízes da 1ª instância, os do TRF-4 e os do STJ (oito juízes, em três instâncias). Como se não houvesse tantos outros presos, de tantos outros partidos. Aproveita-se da fragilidade técnica e da parcialidade de Moro e Dallagnol. E insiste que combater a corrupção é ‘uma marca do PT’. Longe do que pensam os milhões de brasileiros que preferiram votar em qualquer coisa para não permitir a volta do PT no 2º turno em 2018. Não diz uma palavra sobre a recessão causada por sua indicada. No tema autocrítica, generaliza a culpa para todos os demais atores. Ou ataca a imprensa, como também faz o outro populismo, o de direita: ‘Devia ter feito a regulamentação dos meios de comunicação’. Na economia, volta ao discurso simplista de que bastaria produzir mais para que o déficit caia. Sem explicar o que fazer para que o empresariado invista mais. Permanece na aposta da polarização. Animal político de faro apurado, vendo o desgaste de Bolsonaro, tenta ressurgir como a sua antítese. Aliás, seu melhor momento na entrevista foi a valorização da política e a crítica à sua demonização.
Mas na opinião pública há gente disposta a superar o espírito de seita e o chamado da tribo a que se refere Vargas Llosa (La Llamada de la Tribu, 2018). Que se pergunta sobre qual teria sido o efeito de uma entrevista em que Lula pedisse perdão pelos tantos erros que cometeu. Que tal se ele admitisse ter desperdiçado a oportunidade para fazer as reformas estruturais do estado, da política, do sistema financeiro e da economia? E se admitisse que pouco fez para mudar um ambiente de negócios que penaliza a produção? E que nada fez para tornar a máquina burocrática menos pesada à população? E que não reduziu os velhos privilégios dos que aparelham o estado? E que a ‘nova matriz econômica’ foi responsável pela maior recessão que o Brasil já teve, por 14 milhões de desempregados, e pelo derretimento de avanços sociais que ele próprio ajudara a conquistar? E se admitisse que seu governo ampliou uma corrupção que sempre existiu? E que errou ao eleger Dilma pensando em retomar a cadeira quatro anos depois? E que em 2018 não teve humildade para apoiar um candidato do campo democrático-progressista que não fosse de um PT que então já era rejeitado por 2/3 do eleitorado?
E se Lula admitisse que seus erros decepcionaram tantos e ajudaram a desenvolver a revolta contra a política que facilitou a ascensão do populismo conservador de Bolsonaro? E se compreendesse que a organização de uma oposição eficaz passa pela construção de um novo projeto nacional? E que insistir no hegemonismo do seu partido, sem que este faça autocrítica, só dificulta a construção de uma oposição forte ao atual governo? E se ele respeitasse mais os milhares de militantes de sua base que são honestos e idealistas e se sentem constrangidos com suas manobras políticas e seu envolvimento com a corrupção? E se Lula reconhecesse que sua retórica anima a torcida organizada, mas afasta outros setores que poderiam se aliar para enfrentar os grandes problemas nacionais? E se entendesse que a derrota eleitoral do PT e da esquerda foi também uma derrota política pela incapacidade de formular um projeto alternativo e exequível para o país?
O leitor talvez esteja pensando: aí não seria Lula. Mas não será que as pessoas podem se reinventar? Sobretudo quando passam por grandes sofrimentos? Para isso, Lula precisaria entender que antepor o seu velho populismo ao populismo de direita de Bolsonaro pode ser manobra esperta. Mas não será caminho apto a superar as grandes mazelas nacionais. O permanente ‘nós contra eles’ tem apelo eleitoral fácil em tempos de simplificação nas redes sociais e nas bolhas delimitadas pelos algoritmos. Mas pode perpetuar nossa grande incapacidade de realizar um projeto de desenvolvimento com eficiência, justiça social e ambiental. Como deseja e precisa a maioria dos brasileiros. Lula faria melhor se repensasse suas velhas concepções e truques. E se participasse da formulação de um novo projeto para o país.