ALEX SOLNIK
Imagine um país no qual, apesar de ser proibido fumar maconha, a maioria fuma e você, não. Você vai ser visto com desconfiança pelos outros. Ih, esse cara é esquisito, não fuma maconha.
Depois, as críticas vão ficar mais contundentes. Por que ele não fuma maconha? Quer bancar o diferente? Quer ser melhor que os outros?
À medida em que o tempo passa e você continua recusando fumar maconha, a situação piora para você.
Você passa a ser visto como o cara errado; os outros é que estão certos, pois são a maioria. Passam a suspeitar que você, além de não fazer o que faz a maioria, poderá delatar os outros. Você representa um perigo para eles.
Agora, imagine que, de repente, você vira o presidente desse país.
Você não fuma maconha, sabe que a maioria fuma maconha e também sabe que a sociedade, da boca para fora, rejeita maconha, pois é um vício, pois é visto como crime, pois quem compra maconha se envolve com criminosos que a vendem e daí resulta o aumento da violência etc etc etc.
Continua…
De repente, começa uma investigação monstro que resolve acabar com o problema e passa a prender os que fumam maconha, em massa e também os que a fornecem.
Como você é a principal autoridade do país você tem, supostamente, o poder de controlar os movimentos da polícia, podendo, portanto, mandar que os policiais prendam certas pessoas e outras, não. Ou que não prendam ninguém, já que, apesar de ser proibido, a maioria faz isso.
No entanto, você é um presidente que não fuma maconha, sabe que os outros fumam (a maioria), mas também sabe que não é justo deixar alguns fumarem e outros não, alguns venderem e outros não, por isso você age como Salomão, deixa a polícia agir livremente, certo de que, fazendo isso, você faz o que a sociedade que o elegeu espera de você, ou seja, fazer cumprir a lei que proíbe a maconha, deixar investigar livremente quem fuma maconha ou não e não está fazendo mais do que a sua obrigação que é promover a justiça.
No entanto, aqueles que fumam maconha (a maioria), à medida em que percebem que o perigo se aproxima deles começam a fazer de tudo para pressionar você a usar de sua autoridade para protegê-los.
Quando percebem que você é um sujeito refratário a pressões e que não vai mudar mesmo a sua atitude, eles tentam outro caminho.
O mais esperto deles, que conhece como ninguém as leis do país, oferece uma solução: já que nós somos a maioria, nós temos força para tirar a presidente e colocar no seu lugar alguém mais sensível aos nossos apelos.
Mas, como? – perguntam os mais ingênuos (se é que existem). Fácil, responde o mais esperto: já que no partido dela, embora ela não fume maconha, muitos fumam, vamos acusá-la de fumar maconha também e, como somos a maioria e há uma lei que diz que a maioria pode derrubar uma presidente, se ela transgredir a lei e, sem dúvida, fumar maconha é transgredir a lei, nossa vitória é certa.
Se trocarmos esse país imaginário pelo Brasil e a maconha por corrupção poderemos entender o que está acontecendo nesse momento tão confuso, delicado que estamos passando.
A maconha da nossa classe política é a corrupção. Tal como naquele país – embora fosse proibido fumar maconha, a maioria fumava – no Brasil, embora a corrupção seja proibida, a maioria dos políticos pratica a corrupção, desde sempre, não se sabe se começou com Getúlio ou com Juscelino, mas começou há muito tempo e virou hábito.
E, como a maioria sempre fez isso, passou a ser normal. Quem não participava da corrupção é que era ou trouxa, ou errado, ou aquele que quer bancar o diferente etc etc. E dificilmente sua carreira política ia em frente.
De repente, foi eleita uma presidente que nunca foi da classe política, por isso nunca participou de corrupção. Nunca foi vereadora, nem deputada, nem prefeita, nem governadora. Uma estranha no ninho. Ela nunca tinha convivido com a corrupção e nem queria ouvir falar nisso, pois sabia que é uma prática não só reprovável, mas que causa enorme prejuízo ao país e é inaceitável, sob todos os pontos de vista.
Os demais políticos (a maioria) continuaram no jogo da corrupção escondidos dela (afinal, se a maioria fazia isso, e há muito tempo, por que não fazer também?) e, quando ela descobria, fazia uma faxina, colocava pra fora o sujeito.
Assim transcorreram os primeiros anos de seu primeiro mandato.
Por volta de 2013, no mês de julho, uma investigação policial iniciada em 2009 começou a pegar no breu: a partir de conversas grampeadas do doleiro Carlos Habib Chater foram identificadas quatro organizações criminosas que se relacionavam entre si, todas lideradas por doleiros.
A primeira era chefiada por Chater (cuja investigação ficou conhecida como “Operação Lava Jato”, nome que acabou sendo usado, mais tarde, para se referir também a todos os casos); a segunda, por Nelma Kodama (cuja investigação foi chamada “Operação Dolce Vita”); a terceira, por Alberto Youssef (cuja apuração foi nomeada “Operação Bidone”); e a quarta, por Raul Srour (cuja investigação foi denominada “Operação Casa Blanca”).
O monitoramento das comunicações dos doleiros revelou que Alberto Youssef, mediante pagamentos feitos por terceiros, “doou” um Land Rover Evoque para o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa.
Em 17 de março de 2014, foi deflagrada a primeira fase ostensiva da operação sobre as organizações criminosas dos doleiros e Paulo Roberto Costa. Foram cumpridos 81 mandados de busca e apreensão, 18 mandados de prisão preventiva, 10 mandados de prisão temporária e 19 mandados de condução coercitiva, em 17 cidades de 6 estados e no Distrito Federal.
Ao comparecerem a um dos endereços das buscas, um prédio onde funcionava a empresa Costa Global, vinculada a Paulo Roberto Costa, policiais federais decidiram ir até a residência do investigado para pegar as chaves da empresa, em vez de arrombá-la. Enquanto os policiais se deslocavam, parentes do ex-diretor foram flagrados, por câmeras de monitoramento do edifício, retirando do local sacolas e mochilas contendo provas de crimes.
Em 20 de março de 2014, aconteceu a segunda fase ostensiva da operação. O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa foi preso e foram cumpridos seis mandados de busca e apreensão no Rio de Janeiro.
Em 27 de agosto de 2014, Paulo Roberto Costa assinou acordo de colaboração com o Ministério Público Federal, quando houve a sinalização de que políticos do Congresso Nacional estavam envolvidos no esquema. Depois de Paulo Roberto Costa, foi a vez de Alberto Youssef recorrer aos procuradores da República para colaborar em troca de benefícios.
Os depoimentos e provas colhidas em decorrência das colaborações, bem como a análise de materiais apreendidos, documentos, dados bancários e interceptações telefônicas, permitiram o avanço das apurações em direção às grandes empresas que corromperam os agentes públicos e, por tabela, os políticos.
No final de 2014 ficou claro que a situação ficava cada vez mais perigosa para os deputados e senadores, as denúncias se aproximavam deles cada vez mais.
A presidente Dilma conseguiu se reeleger, mas logo que o segundo mandato teve início, a Câmara, liderada por aquele sujeito mais esperto passou a criar dificuldades para ela.
A Lava Jato ia em frente, ceifando empresários e ex-parlamentares, sem mandato, porque os outros estavam protegidos pelo foro privilegiado.
Embora ex-políticos do partido da presidente fossem presos ela declarava que a investigação não teria interferência do seu governo.
Todos os grandes partidos que apoiavam o governo caíram nas malhas da Lava Jato. E a presidente continuou com o mesmo discurso, deu sinal verde à investigação.
Quando aquele sujeito mais esperto percebeu que a polícia estava nos seus calcanhares fez a mesma coisa que naquele país em que a maioria fumava maconha. Chamou seus colegas, corruptos na maioria e disse que a única chance de sobrevivência deles seria derrubar a presidente. Se não se unissem nessa tarefa, seriam todos degolados.
Mas como vamos fazer? – perguntaram.
“Ora” disse o mais esperto “se no partido dela tem muita gente que é corrupta vamos acusá-la de ser corrupta também; como a maioria da população detesta o partido dela e detesta corrupção, isso vai pegar. Mas precisamos de apoio das ruas. Mãos à obra”.
A presidente, sempre do lado da lei, sempre do lado correto, insistiu na tese de que a Lava Jato deveria prosseguir. As ruas passaram a se vestir de verde-amarelo e o script do sujeito esperto foi seguido à risca.
Deu no que deu. A Lava Jato prosseguiu, mas como o sujeito esperto e seus colegas tinham e têm foro privilegiado, e como o foro privilegiado funciona devagar quase parando, antes que eles fossem atingidos, eles (que, como vimos num certo domingo, são a maioria) derrubaram a presidente.
Alguém poderá querer desmentir essa narrativa alegando: mas veja só, ainda ontem o Claudio Mariz de Oliveira, que estava cotado para ser o ministro da Justiça de Temer perdeu a indicação porque criticou a Lava Jato.
Sim, ele caiu, mas não por ser contra a Lava Jato e sim por tê-la criticado publicamente. Temer sabe que não se pode acabar com a Lava Jato à luz do dia, ela tem que ser parada nos bastidores, nas sombras, na calada da noite, que é onde ele sabe agir melhor do que ninguém, por alguém que saiba fazer dessa maneira e não dando entrevistas à Folha de S. Paulo.
Dilma foi derrubada não porque rouba, mas porque não rouba. Foi derrubada pela maioria que rouba e cuja última esperança de fugir da cadeia era tirá-la da frente e colocar no seu lugar um político experiente, igual a eles, que sabe onde aperta o sapato.
Se ele também não resolver o problema deles, não tenham dúvida: vão derrubá-lo também.