Depois de dez dias de crise, a ministra Cármen Lúcia decidiu falar. A presidente do Supremo Tribunal Federal rompeu o silêncio para manifestar “profunda preocupação” com o país. Disse que o Brasil vive um “grave momento político, econômico e social”.
A chefe do Judiciário mandou um recado a quem aproveita o tumulto para pregar uma ruptura institucional. Sem mencionar as faixas que pedem “intervenção militar”, ela disse que não existe saída fora da Constituição. “Não há escolha de caminho. A democracia é o único caminho legítimo”, afirmou.
De forma sutil, a ministra lembrou que a última “intervenção militar”, a de 1964, submeteu o país a uma longa ditadura. “Regimes sem direitos são passados de que não se pode esquecer, nem de que se queira lembrar”, disse.
É a segunda vez em menos de dois meses que o Supremo se vê obrigado a rebater sugestões de interferência militar na política. Em abril, o ministro Celso de Mello reagiu a um tuíte do comandante do Exército na véspera de um julgamento importante.
Para ele, a manifestação do general Villas Bôas foi “claramente infringente do princípio da separação de poderes”. “Insurgências de natureza pretoriana, à semelhança da ideia metafórica do ovo da serpente, descaracterizam a legitimidade do poder civil instituído e fragilizam as instituições democráticas”, advertiu.
Cármen demorou, mas seu recado ainda vem em boa hora. Parte do movimento dos caminhoneiros embarcou no discurso autoritário da extrema direita. Como o governo e o Congresso são os alvos da revolta, resta o Judiciário para rebater a pregação golpista.
Para evitar mais tumulto, a presidente do Supremo deveria desistir de uma má ideia que surgiu em seu gabinete: ressuscitar o debate sobre o parlamentarismo. Ao marcar o julgamento de uma ação que adormece na Corte desde 1997, a ministra abriu caminho a uma mudança de regime sem consulta popular. Isso não seria uma intervenção militar, mas também teria cheiro de golpe.