O processo de impeachment será aberto ou secreto?

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 Ivar A. Hartmann
Professor da FGV Direito Rio

Na eleição dos membros da comissão do processo de impeachment, Eduardo Cunha implementou o voto secreto mesmo sem base explícita no regimento, na lei ou na Constituição. Não foi sua primeira peripécia regimental nos últimos meses. Dessa vez, porém, o Supremo, que havia negado tantas liminares sobre o impeachment, não deixou de intervir.

O ministro Edson Fachin concedeu liminar, poucas horas depois, suspendeu o processo do impeachment. Isso até decisão do plenário do tribunal que venha a pacificar a incerteza jurídica que tem rondado a questão até agora. O gatilho da liminar de Fachin foi justamente o uso do voto secreto por Cunha. Essa prática tende a se repetir menos e menos no Congresso brasileiro, por três razões.

Primeiro, o voto secreto de parlamentar, em qualquer hipótese, é excepcional. Pois é incompatível com o direito fundamental ao voto pelos eleitores brasileiros. Há diversas pré-condições para o exercício desse direito. Ele fica esvaziado sem uma imprensa livre. É igualmente inútil se não há acesso a informações sobre a atuação dos agentes públicos. Voto no escuro não é voto, é cara ou coroa. Acima de tudo, o voto pressupõe a possibilidade de saber o que fizeram as pessoas eleitas.

Representar é diferente de escolher em interesse próprio. Voto secreto de parlamentar é incompatível com um sistema representativo que proteja o direito do cidadão ao seu voto individual. Esconder uma decisão de um representante eleito é tão grave quanto barrar o acesso do eleitor à urna. Ao menos no segundo caso a violação é transparente. No voto secreto, nem isso.

Continua…

Nossa Constituição prevê uma lista pequena de casos de voto secreto. São restrições frontais um direito fundamental e, portanto, essa lista não deve ser ampliada. Nem por emenda constitucional. E certamente não por alteração do regimento interno das casas do Congresso. Mas essas restrições podem ser eliminadas.

Aí entra a segunda razão da gradual abolição do voto secreto. Mais do que antes, os eleitores brasileiros hoje compreendem a gravidade do voto secreto dos parlamentares. E esses perceberam isso. Abrir o voto no impeachment de Collor foi, na época, um fato isolado. Agora, porém, vemos um processo gradual e constante de mudança rumo à transparência. Ela começou com os casos nos quais o voto secreto é mais grave: a decisão sobre o destino de um colega. O então deputado Natan Donadon foi absolvido pelo voto secreto. A opinião pública não tolerou. Emendou-se a Constituição e, aberto o voto, Donadon foi cassado. Há poucos dias o Senado realizou voto aberto para manter a prisão de Delcídio do Amaral. Mesmo havendo previsão no regimento para o voto secreto nesse caso.

Os parlamentares estão vendo que, atualmente, tirar hipótese de voto secreto da cartola é remar contra a maré. A manobra de Cunha para aprovar a comissão do impeachment tem um custo político. As redes sociais e a imprensa mostram que a opinião pública não perdoa. Talvez Cunha não esteja preocupado com o futuro, mas é difícil que isso seja verdade para todos os que o apoiaram nessa manobra. A despeito disso, é possível que se repita a prática?

A terceira razão da limitação crescente do voto secreto é a intervenção bem-vinda do Supremo para proteger os eleitores brasileiros. A pressão da opinião pública não precisa ser suficiente. Quando se trata de disposições inconstitucionais no regimento interno da Câmara ou Senado, a Ministra Rosa Weber já indicou que o tribunal não irá calar.

O ministro Barroso pareceu ser mais comedido, mas endossa a mesma tese: o regimento interno – e, por consequência, o presidente da Câmara dos Deputados – é limitado pela Constituição. A decisão do ministro Fachin de suspender o processo de impeachment vem na esteira de outra, há duas semanas, que tinha o voto secreto como questão central. Em liminar que acabou sendo entregue tarde no Senado, Fachin afirmou que a Constituição não previa e, logo, excluía, a possibilidade de voto secreto para avaliar a manutenção da prisão de Delcídio Amaral.

Renan Calheiros, presidente do Senado, não quis reconhecer a decisão de Fachin. Naquela tarde, o fator decisivo foi a opinião pública. É provável que nos próximos dias a decisão do plenário do Supremo seja igualmente decisiva. Mas pouco importa qual dos três fatores é mais latente em cada episódio específico. O fato é que o voto secreto de parlamentar é uma espécie em extinção no Brasil. Cunha aprendeu isso ontem.