Na primeira entrevista coletiva do presidente eleito Jair Bolsonaro, os profissionais dos principais jornais do país foram sumariamente excluídos. Não houve perguntas de jornalistas da Folha, do Globo, do Estado de S. Paulo e do Valor Econômico, entre outros veículos de comunicação.
“Eu tenho a maior consideração por vocês. Não mandei restringir ninguém não”, afirmou Bolsonaro ao ser questionado sobre a proibição. Soou como mais uma blague de provocação à imprensa.
Durante toda a campanha eleitoral, o candidato do PSL atacou a mídia e os jornalistas, com especial predileção por esta Folha, o jornal que mais publicou reportagens críticas à sua candidatura.
O momento mais agressivo foi transmitido ao vivo, via rede social, para telão em manifestação na avenida Paulista, em 21 de outubro: “Sem mentiras, sem fake news, sem Folha de S.Paulo. Nós ganharemos esta guerra. Queremos a imprensa livre, mas com responsabilidade. A Folha de S.Paulo é o maior fake news do Brasil. Vocês não terão mais verba publicitária do governo. Imprensa livre, parabéns. Imprensa vendida, meus pêsames.”
No dia 24, no Twitter, voltou à carga: “A mamata da Folha vai acabar, mas não é com censura, não! O dinheiro público que recebe para fazer ativismo político vai secar”.
Depois da eleição, questionado no Jornal Nacional, da TV Globo, afirmou: “Não quero que [a Folha] acabe. Por si só, esse jornal se acabou (…) no que depender de mim, imprensa que se comportar dessa maneira indigna não terá recursos do governo federal”.
O comportamento de Jair Bolsonaro repete, em quase tudo, o roteiro da relação do presidente americano Donald Trump com a mídia. Em tuítes irônicos e provocativos, Trump se refere ao “fracassado” New York Times e define a CNN como “fake news bussiness”. Ambos são obsessões de Trump.
As semelhanças são tantas que é possível imaginar que Bolsonaro esteja replicando Trump mais por método do que por loucura.
Bolsonaro não questiona informações pontuais de reportagens da Folha. Pelo contrário, nega fatos incontestáveis. Por exemplo, ele mantinha uma funcionária-fantasma que foi desligada de seu gabinete após a revelação do jornal. “O crime dela foi dar água para os cachorros”, justificou.
Quando a Folha publicou investigação sobre o uso que Bolsonaro fez do auxílio-moradia recebido da Câmara, escapou com uma frase grosseira: “Esse dinheiro de auxílio moradia eu usava para comer gente”.
A reação de Bolsonaro, em geral, não parece caso de destempero. É uma tática para mudar o eixo da discussão para a área que domina melhor: a da agressão verbal sem base na realidade factual.
Nas semanas anteriores ao segundo turno, a ombudsman recebeu um número notável de mensagens de leitores que acusavam a Folha de fazer campanha contra Bolsonaro. Vários diziam estar cancelando a assinatura do jornal. Muitos deles esclareciam que não eram eleitores do deputado.
Os desvarios recentes e crescentes do presidente eleito inverteram o sinal. Espontaneamente as redes sociais passaram a registrar uma espécie de campanha de apoio à Folha.
Mensagens de solidariedade me foram enviadas, algumas delas revendo críticas anteriores de tendenciosidade. Reproduzo trechos: “Nunca se intimidem”; “Voltarei a assinar a Folha com a esperança de nela encontrar um dos bastiões que evitarão a derrocada da nossa jovem democracia”; “Peço que os jornalistas desse jornal não arrefeçam nunca, que continuem com a coragem e a honradez de sempre!”;
“Que a Folha seja para o Brasil de Bolsonaro o que o NYT está sendo para os EUA de Trump. Já peço a amigos que assinem o jornal”; “Vocês são indispensáveis, mas, por favor melhorem e voltem a ser o que já foram por tantos anos. Uma ótima imprensa. Fiscalizadora, independente, verdadeira. Mas não assumam papel de oposição, por favor! Apenas de fiscalização imparcial.”
O embate com um presidente recém-eleito é tão desgastante quanto necessário para jornais e jornalistas. Uma reação intempestiva seria tomar Bolsonaro como inimigo a ser derrubado. Simples assim. Mas este não é o papel do jornalismo de qualidade que tem marcado a história da Folha.
Bolsonaro está em guerra contra a Folha. Mas a Folha não está —nem deve nunca entrar— em guerra contra ele, como esclareceu editorial publicado na semana passada.
Imagino que o apoio dos leitores revigore o jornal e seus profissionais. É preciso, no entanto, redobrar a atenção, afinar os filtros editoriais, empenhar-se ainda mais na precisão jornalística e na garantia do direito de defesa.
O estímulo a notícias falsas parece ser agora página virada para o mandatário eleito. Muito mais preocupante é a negação da realidade por parte do futuro presidente.
Paula Cesarino Costa * Jornalista, foi diretora da Sucursal do Rio. É ombudsman da Folha desde abril de 2016.