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Apesar do Recife ostentar o título de terceiro polo gastronômico do Brasil e primeiro do Nordeste, os estabelecimentos locais no ramo da alimentação não passaram ilesos pela crise econômica no país. Na capital pernambucana, nos últimos dois anos, de acordo com a Junta Comercial de Pernambuco (Jucepe), órgão responsável pela abertura e fechamento de lojas e comércios, 896 restaurantes fecharam as portas. Já nos primeiros cinco meses de 2019, 157 estabelecimentos do setor gastronômico também saíram do mercado.
Após cinco anos do início da deterioração econômica brasileira, em 2014, nenhum setor produtivo voltou ao patamar de anos anteriores. Em março, a taxa de desemprego chegou a 12,7%, com 13,4 milhões de pessoas procurando emprego no país. Esses são os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Com inflação em alta e confiança do consumidor em baixa, o ritmo de crescimento vem desacelerando. O desemprego obrigou os brasileiros a cortarem gastos no orçamento e se alimentar fora do lar não é visto como algo essencial.
Sobre a retração do setor, o diretor executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Pernambuco (Abrasel-PE), Eduardo Salazar, destacou que o fechamento de estabelecimentos é um movimento nacional dentro do contexto econômico atual. “Até a própria questão da reforma da previdência ser definida não somente restaurantes, como outros negócios sofrerão bastante com a queda de vendas. É um reflexo da economia”, lamentou o gestor.
Ele apontou que apesar dos fechamentos serem uma realidade em Pernambuco, novos empreendimentos entram no mercado todos os meses. Em 2019, até o mês de maio, já são 866 estabelecimentos novos que se formalizaram. “A gente sabe da crise no país, mas da mesma forma que fecha, também abre. Acho ainda que o número de negócios que estão dando errado ainda é pouco, poderia ser muito pior”, explicou Salazar.
A Abrasel calcula que são 7 mil CNPJs ativos no setor de alimentação fora do lar em Pernambuco. Qualquer dono de estabelecimento pode se associar ao pagar uma mensalidade. “A gente promove cursos, capacitações e eventos para estruturar ainda mais o setor no Estado”, garantiu o diretor executivo do órgão.
Estabelecimentos conhecidos na capital pernambucana fecharam as portas nos últimos doze meses. O ‘Só Caldinho’, no Pina, o ‘Riso’, nos Aflitos, o Cucina de Carli’, em Casa Forte, o ‘Aura’ em Boa Viagem, o ‘Gamerz Burguer’, no Espinheiro, o ‘Espetinho Benfica’, na Madalena, as duas lojas do ‘Mr Smoke BBQ’, em Parnamirim e Boa Viagem, entre outros negócios.
De acordo com um estudo realizado pela consultoria AC Pastore, do ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore, o Brasil não apenas está vivendo a mais lenta retomada da história como caminha para a depressão. Para o economista, o País está em depressão, pois o PIB per capita cresceu de forma insignificante nos últimos dois anos (0,3% em cada ano) e deve terminar 2019 no mesmo nível de 2018. Isso significa que, em dezembro deste ano, o indicador estará 8% abaixo do registrado antes da recessão.
“O país está parado. Depois da recessão, ainda não tivemos recuperação. A população empobreceu e não recupera a sua renda”, afirnou Pastore. “Se isso não é sinal de depressão, não sei o que é”, completou.
Estratégias para evitar o fechamento do seu negócio
De acordo com Danilo Martinez, analista do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), investir no setor de alimentação fora do lar demanda quatro pontos essenciais para o estabelecimento não ‘quebrar’. Martinez pontua que os restaurantes devem continuar fechando porque a crise está afetando todos os setores. Ele lamenta que os clientes estão com menos dinheiro e situações menos vitais para o ser humano perdem espaço.
“O brasileiro percebe quais são as situações fúteis na qual ele supostamente desperdiça dinheiro e uma delas é se alimentar fora de casa. Aqueles que tinham que comprar almoço fora todos os dias estão levando a marmita de casa. Os que antes saíam todo fim de semana para comer na rua, estão fazendo a brincadeira dentro de casa porque estão sentindo a crise forte”, explicou o analista, destacando que as estratégias para evitar que o negócio feche as portas são específicas para cada setor.
1) Gestão empresarial. Planejamento é fundamental
O primeiro ponto que o analista do Sebrae alerta é para a gestão do negócio. “Tem que ter conhecimento na área de gestão de negócios para fazer o planejamento porque sem isso você não sabe se a sua empresa está indo mal das pernas. Se você não acompanha o financeiro da sua empresa, não se sabe se ela pode está quebrando ou tendo superávit”, informou Danilo Martinez.
Ele também alertou que nesse ramo, não necessariamente o bom chef de cozinha ou cozinheiro vai ser um bom empresário. “Ele tem que agregar dentro do conhecimento dele técnicas de administração de empresas. Precisa aprender isso para poder, além da operação de produção, não pecar na gestão de pessoas, de estoque e no planejamento de marketing ou gestão financeira. Muitas vezes o cozinheiro tem um produto maravilhoso, mas não sabe formular preços ou trabalhar com planilha de custos. E lá na frente não sabe por que não recebe o lucro”, disse.
2) É preciso se antecipar a situações não positivas para a empresa
Quando o estabelecimento tem um gestor que realizar o acompanhamento correto do negócio, as contas batem. “A gestão empresarial da sua empresa possibilita que você preveja situações de risco. Digamos que o dono do negócio precisa faturar por mês R$ 5 mil e faz o acompanhamento da empresa dia a dia. Se na primeira quinzena ele não atingiu R$ 2,500 de faturamento, ou seja 50% do necessário para o ponto de equilíbrio, então tem que ser feita alguma ação corretiva urgente para não tomar um susto no fim do mês”, avaliou o estudioso da área. Para prever o mercado, uma dica é recorrer a estudos feitos por especialistas do ramo.
Também é necessário pensar em novas estratégias para não cair na repetição. “Se todo dia eu acordo e faço do mesmo jeito e os resultados não estão sendo satisfatórios, eu tenho que pensar em fazer diferente alguma coisa. É uma segunda estratégia para evitar o fechamento de empresas. Analisar os dados financeiros a favor da empresa. É a criação de ações corretivas em tempo hábil, pensando em novas estratégias”, desmistificou.
3) Pesquisas de mercado
O desconhecimento sobre o mercado em que atuam também colabora para um resultado negativo mas, para esse problema, os empresários podem recorrer a uma ferramenta estratégica: as pesquisas de mercado.
“Muitos empresários hoje abrem as empresas e não procuram saber dos clientes o que eles acham do estabelecimento. Eles não realizam pesquisas de satisfação, não aproveitam quando o cliente está no negócio para perguntar o que ainda não há no restaurante que a clientela gostaria que tivesse, isso é chamado pesquisa de tendências.
Segundo ele, essas ferramentas permitem identificar fatores que irão impactar diretamente no negócio, como concorrência, localização, perfis de consumidores, teste de preço, qualidade de produto, entre outros.
Martinez também defende a realização da pesquisa básica de pós-venda. Ele argumenta que muitos comerciantes que possuem o delivery em seus estabelecimentos não procuram saber do clientes como a encomenda chegou, a temperatura do prato e apresentação, além do tempo de entrega. “Também é preciso ter a humildade de frequentar a concorrência para perceber o que eles estão fazendo diferente para aprender e implementar no seu negócio”, comentou.
4) Ser inovador
Em tempos de crise, o brasileiro reflete muito mais sobre onde vai cortar gastos e por isso é importante que os estabelecimentos deem motivos para que os clientes pensem em sair de casa para comer fora. “A gente percebe que são muitos estabelecimentos, restaurantes e lanchonetes vendendo os mesmos produtos. Todo mundo está fazendo tudo igual e isso é muito ruim para o mercado porque se todos os produtos são iguais, o consumidor vai buscar o mais barato”, apontou o analista do Sebrae.
Inovação ao pensar em produtos diferenciados que se tornem referência no mercado é um ponto muito importante para fugir da crise. Uma outra dica é que os proprietários dos negócios do ramo da alimentação entendam da área que estão trabalhando. “ Donos de restaurantes sabem que é um ramo muito duro. É acordar cedo para ir a Ceasa e abrir a casa bem antes de começar a funcionar. Quem se identifica com a área promove a inovação com mais naturalidade porque ele gosta da ramo e tem mais facilidade em criar novidades. Não adianta investir em algo que você não conhece a realidade”, complementou.