Folha de Pernambuco
A “Capital do Forró” nas festas juninas deste ano seria exaltada pelos brincantes da Molecodrilha com o tema “O Magnífico País de Caruaru”, um superlativo simbólico que embalaria a cidade do Agreste pernambucano, conhecida pela maratona de forró e cultura popular durante o mês de junho. Os ensaios para a dança, desfile e casamento matuto já haviam começado desde o fim do último ciclo, porque para os componentes do grupo estar no “arraiá” é o melhor momento, obstado em 2020 pela pandemia do novo coronavírus.
“A gente dá um mês de pausa e já começa a ensaiar para o ano seguinte, mas paramos tudo, inclusive as produções das roupas. Tem adolescente no grupo que sequer tem um chinelo para calçar mas se entrega à festa, por isso estamos sofrendo muito, porque há também um trabalho social nisso tudo”, conta Lucinéia Ferreira, a Néia, à frente da quadrilha criada há mais de uma década e composta atualmente por 60 pessoas.
Néia representa a tradição no São João de Caruaru, assim como outros grupos de quadrilhas, forrozeiros, bacamarteiros e bandas de pífano que, este ano, dadas as circunstâncias, vão deixar as ruas da cidade vazias e silenciosas. É a primeira vez que a Molecodrilha deixará de se apresentar e seus integrantes ficarão em casa, longe do clarão das fogueiras e sem os aplausos recebidos a cada exibição nos polos dedicados aos grupos. “É um trabalho de muita dedicação e muito difícil. Quando contei a eles, inclusive que não poderíamos mais nos aproximar uns dos outros, foi um momento muito difícil, mal conseguíamos falar, só chorávamos”, conta ela, embebida pelas lágrimas na voz.
Para Claudiomiro Martins da Silva, filho do presidente da Associação de Bacamarteiros de Caruaru, Bento Martins da Silva, a tradição que começou com o seu avô e já acompanha o filho de quatro anos vai ser interrompida pela primeira vez. “Somos em 1,2 mil bacamarteiros e com a grande maioria vindo da Zona Rural. A festa de São João é esperada o ano todo e não tê-la é de uma tristeza profunda. É o grande momento para os bacamarteiros”, conta ele, emocionado, e que junto ao pai, está à frente da associação, composta por 42 batalhões advindos também de outras cidades da região.
Solidariedade
Aos artistas locais de Caruaru, protagonistas dos festejos, o que inclui além dos quadrilheiros e bacamarteiros, as bandas de pífanos, os artesãos, forrozeiros e outros personagens que sustentam a tradição da época, o São João deste ano não vai ser na “base da chinela”, tampouco quem chegar à cidade vai se deparar com o “céu colorido de foguetes e balões”.
Para Néia, orgulhosa em manter vivo o folclore da dança com a Molecodrilha – uma das poucas quadrilhas locais que restam na cidade, que para o São João conta também com conjuntos de outros locais – o descontentamento pelo cancelamento da festa será suprido, ao menos em parte, pela solidariedade. Da prefeitura, por causa da pandemia e em meio à crise que assola o setor cultural, uma ação foi engatada para arrecadar fundos em dinheiro, cestas básicas e kits de higiene aos que fazem os festejos no município.
“Essa notícia foi recebida com muita alegria. O que vier para nós é bem-vindo”, ressalta a quadrilheira sobre a doação de cestas básicas. A mesma reação teve Claudiomiro, grato também pela ajuda em alimentos doados aos bacamarteiros.
Para ambos, o próximo ciclo junino será de uma dedicação bem maior, para compensar a ausência dos folguedos e festejar em dobro em 2021. “Se Deus quiser, esse sonho de todos nós vai se realizar. Está engasgado no coração da gente”, confessa o bacamarteiro. Para Néia, ‘O Magnifico País de Caruaru’ ficará guardado para exibição com satisfação em dose dupla no ano que vem. “Com a Molecodrilha completando 15 anos”, completa.