André Singer – Folha de S.Paulo
Em todo governo que começa há certo bate-cabeça. Até as peças encaixarem, leva tempo. O problema da presente gestão planaltina é que o líder da turma, em torno do qual precisa se construir a unidade “funcionante”, vem sendo esvaziado, tornando incerto o futuro.
A zoeira deflagrada pelas reportagens da Folha sobre o uso de laranjasno terreno do Partido Social Liberal (PSL) seria cozida em fogo lento por qualquer administração corriqueira de crises. Mas na quitanda dos Bolsonaro virou um pandemônio em 72 horas.
Na quarta passada, o vereador Carlos Bolsonaro (RJ), filho esquentado, atracou-se com Gustavo Bebianno, presidente durante 2018 da sigla em questão e uma espécie de agregado da primeira família, chamando-o de mentiroso por ter dito que conversara com o pai.
A pauleira entre ambos ganhou foros de Estado na quinta, quando opresidente afirmou ao Jornal da Record que o atual chefe da Secretaria-Geral da Presidência realmente mentira. Ao avalizar as afirmações do parente contra o ministro, o progenitor entrou no bate-boca, praticamente demitindo o subordinado no ar.
O mais grave, porém, estava por vir. Na referida conversa com a emissora do bispo Edir Macedo, foi lhe perguntado sobre Hamilton Mourão. Ciente de que o mundo político não fala de outra coisa que da vontade de mando do vice, optou por expor a fratura existente entre ambos, fazendo questão de criticá-lo por seu contato com a imprensa.
Desde que tomou posse, a despeito dos fortes impulsos autoritários demonstrados no passado, o general fez esforços para dirigir-se aos meios de comunicação num tom que contrasta, pelo equilíbrio, com o do clã vitorioso.
Enquanto amalucados habitantes das cozinhas dos palácios iam prodigalizando declarações absurdas pelas redes sociais, o quatro estrelas pavimentava a imagem da sensatez.
Exemplar o caso do deslocamento da embaixada brasileira em Israel, colocado por Mourão em banho-maria contra a vontade do clã ora no Alvorada.
Para completar o barraco, numa operação que envolveu o setor militar do Executivo e a presidência da Câmara, Bebianno foi mantido no cargo, ainda que supostamente avisado por Jair Bolsonaro na sexta-feira à noite de que seria demitido na segunda.
Fica a impressão de que o presidente tem dificuldades para comandar até a própria cadeira, como diria Elio Gaspari, permanecendo sob a tutela de setores armados ainda pouco conhecidos pela opinião pública.
Diante do visível enfraquecimento da autoridade presidencial, será que a vasta unidade da burguesia ao redor da reforma da Previdência será suficiente para estabilizar o quadro? Apostas em aberto.