Não digam que ele não avisou…

Antônio Prata – Folha de S.Paulo

“Você quer eleger alguém que é tão abertamente antidemocrático? Que promete violar as regras? Eu não entendo. Por que vocês não estão acreditando nele?” “Ele”, no caso, é o candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSL) e a fala encerra a entrevista com Jason Stanley, professor de filosofia em Yale, na Folha da última quinta (4). Stanley acaba de publicar “How Fascism Works: The Politics of Us and Them” (Como o fascismo funciona: as políticas de nós e eles) e o fato de um estudioso do fascismo estar chocado com o que se passa hoje no Brasil me parece um tanto quanto alarmante.

Eu também estou chocado, mas não com uma suposta incapacidade da sociedade brasileira em ouvir os ataques que Bolsonaro vem fazendo, há décadas, contra a democracia, as minorias, os direitos civis. É pior. Acredito que os eleitores ouvem bem o que ele fala. Entendem. E gostam.

Faz umas semanas que ando na rua pensando: uma em cada três pessoas aqui apoia a tortura, o extermínio de dissidentes, não acha repulsivo um vagão de metrô ou um estádio cantando “Ô bicharada/ Toma cuidado/ O Bolsonaro vai matar viado”. Ontem voltei de avião do Rio de Janeiro. Estava no assento 14 B. Como a fileira tem apenas três poltronas e eu não sou eleitor do Bolsonaro, a estatística me levou a conjecturar que meu braço direito ou o esquerdo devia estar roçando no braço de um entusiasta do golpe militar, de “fuzilar a petralhada”, de botar o presidente do Banco Central no pau de arara. 

A pergunta “Por que vocês não estão acreditando nele?” pressupõe que haja na sociedade brasileira um substrato iluminista e que se compreendêssemos o que “ele” fala ficaríamos repugnados. Esse foi um erro comum de muitos (eu, por exemplo) que passaram o primeiro turno apontando o que críamos ser os pontos mais fracos do candidato: as declarações racistas, machistas e homofóbicas. Bolsonaro só se fortaleceu, pois o capitão não está na frente “apesar” do autoritarismo, mas “por causa do”. Os pontos fracos eram os fortes.

Há quem minimize o peso dos ideais de Bolsonaro na escolha do eleitor e queira botar a liderança do candidato inteiramente na conta do antipetismo. Bem, hoje o antipetismo tem 11 outras opções na urna, das quais pelo menos a metade pode ser considerada de direita. Nenhuma paranoia, por mais lisérgica, pode sugerir que se João Amoêdo (Novo), Alckmin (PSDB), Henrique Meirelles (MDB), Álvaro Dias (Podemos), Eymael (DC) ou Cabo Daciolo (Patriotas) ganharem, o PT voltará ao poder. O argumento de que Bolsonaro é o candidato mais forte para derrotar Haddad (PT) no segundo turno tampouco convence. Alckmin venceria o petista com margem maior, de acordo com o Datafolha da última quinta.

Esta coluna não pretende mudar o voto de ninguém, até porque 84% dos que dizem que votarão em Bolsonaro afirmam estar convictos. Só gostaria de, se possível, jogar uma luz sobre esta escolha: votar em Bolsonaro hoje não é votar contra o Haddad, o Lula, Che Guevara, Mao Tsé-tung e Karl Marx. É votar contra John Locke, Voltaire, Montesquieu, Adam Smith, Abraham Lincoln, Thomas Jefferson, Benjamin Franklin, Roosevelt e Churchill. Não é evitar que o Brasil se transforme em Cuba ou na Venezuela, é afastá-lo ainda mais dos Estados Unidos e da Europa, que se tornaram os lugares mais ricos e justos em toda a história da humanidade por terem criado e instituído os valores da democracia liberal, valores contra os quais Jair Bolsonaro vem lutando, com afinco, durante toda a sua vida pública.