Qual é o grande problema hoje? É a formação inicial. Se nós tivermos a chance de mudar, mas não tivermos uma formação inicial que dialogue com esse currículo novo, que dialogue com a inovação, não iremos para a frente. A universidade, por exemplo, está em uma zona de conforto. Ela não participou de nenhum debate da BNCC. Quem é que forma os professores? Como é que você vai formar os professores para essa nova escola se você não mudar? A universidade se descolou, e toda política nacional tem olhos para a pós-graduação. Tudo dentro da universidade brasileira foi olhando a pós-graduação, e nós esquecemos a educação de base, como se não fosse problema nosso. Eu restituí, como secretário de Educação em Pernambuco, a escola normal-média. Eu acho que ela vai ser fundamental para a formação de alfabetizadores. Se eu fosse ministro, eu recuperaria o normal-médio, com visão do século 21.
Houve um convite formal, no ano passado, para o cargo de ministro da Educação? Não é a primeira vez que o senhor é convidado a ser ministro…
Houve, sim. O convite foi para Viviane Senna, e eu iria para ajudá-la na Secretaria Executiva, para gestão do ministério. Antes, fui sondado umas duas ou três vezes pelo próprio Temer. Mas estou, no momento, bem melhor no terceiro setor, estou no Conselho Nacional de Educação (CNE). Estou bastante realizado.
Quais seriam as prioridades para a educação brasileira na sua avaliação?
A agenda da aprendizagem passa diretamente pela formação do professor, não tenho a menor dúvida em responder. O desafio agora é promover a aprendizagem desde a alfabetização. Não dá para, em pleno século 21, de cada 100 crianças que terminam o 3º ano do ensino fundamental, 55 não saberem ler nem escrever adequadamente para aquela idade. Imagine se fosse num hospital, em que entrassem 100 pacientes, 50 morrem e os outros 50 ficam mutilados ou com alguma sequela… Essa criança que não é alfabetizada, que mais adiante abandona a escola, se desmotiva, ela vai para o grupo dos nem-nem e para as taxas de homicídio.
Um grande problema é que, em geral, não são os melhores alunos que costumam se tornar professores. Como atrair jovens talentos para o magistério?
Nos países que estão no topo da educação, os jovens mais bem preparados querem ir para a carreira do magistério. É um desafio multifacetado estimular que isso ocorra no Brasil. Em primeiro lugar, não é só a questão salarial, mas é isso também. O professor ganha, em início de carreira, 11% menos que outros profissionais com a mesma titulação. O jovem quer desafios, quer ter autonomia para desenvolver seu projeto de vida, e isso pode ser na escola, desde que ele tenha perspectiva de ter autonomia para ser um bom professor, para colocar inovação, criatividade, e possa ver os resultados da atividade dele. Outro fator é a valorização. Você tem que mudar a percepção da sociedade sobre o papel do professor. A sociedade vê o professor como coitadinho, aquele que não conseguiu ir para outra carreira. É preciso fazer um trabalho para que a sociedade abrace a figura do professor como central. Para isso, precisamos criar esse modelo de carreira. A questão da violência na escola é outro trabalho que precisa ser feito. O trabalho precisa ser multifacetado e tem que começar ainda no ensino médio. Eu acho que o jovem que vai ser professor precisa estudar em escola integral, porque, se ele vai ser o futuro professor, não pode chegar com grandes deficits de aprendizagem, que é o que ocorre hoje.
Como elevar o nível dos alunos que ingressam nas formações para professores? Aumentar a nota de corte para ingressos nas licenciaturas e em cursos de pedagogia seria um caminho para resolver essa questão?
Vamos precisar mudar o pneu com o carro em movimento. Se nós fizermos isso que eu estou falando, não vai ser necessário, porque o estudante vai sair da escola bem informado. Temos que melhorar as lacunas de aprendizagem para que, quando ele chegar à universidade, esteja preparado, com as aptidões e habilidades esperadas. O problema afeta, em geral, escolas públicas. Os alunos de escolas particulares vão fazer medicina, direito, arquitetura. Eles não vão fazer pedagogia, nem magistério, nem licenciatura. É a pior situação. Por isso, a correção tem de vir na base. Pernambuco não começou com 300 escolas. Foram 12 anos de muito trabalho. Você tem que dar o primeiro passo. Se o passo será do tamanho que a gente gostaria, vai depender de muitas coisas. A descontinuidade política é um grande problema no Brasil. Em Pernambuco, o grande segredo foi a não descontinuidade política alinhada a uma boa política pública de ensino médio. Pernambuco tem um ensino médio muito bom, porque a maioria é em tempo integral. Já o Ceará tem uma política de ensino fundamental muito boa. Estado e municípios colaboram com o trabalho de formação de professores. Por isso, eu brinco que o melhor estado em termos de educação se chamaria “Cearábuco”.
Estamos bem com esse Ministério da Educação?
Acho que o ministério ainda não entrou em campo. Precisa se organizar internamente, acabar com essas disputas entre vários setores. Eles ficam dentro de uma cápsula que não consegue ter um time. O atual ministro tem um mês lá, não sei se ele vai conseguir criar esse time, mas, se não criar uma blindagem contra essas interferências externas sobre o ministério, não vai ter um ministro que vá dar certo. No meu entendimento, o papel do presidente da República é muito importante. É ele que vai dar um basta para que o MEC comece a funcionar. Não pode haver toda essa disputa interna dentro do ministério, na minha opinião, mais importante para o desenvolvimento do país. Ele mesmo disse, durante a campanha, que a educação deveria ter mais cuidado, mas, até agora, não entrou em campo. É algo que vai exigir, naturalmente, grande esforço. Se ele está com essa questão do corte orçamentário, eu acho que pode ser um mecanismo de pressão. O problema é que ele quis interpretar como um corte mesmo às universidades. Eu já enfrentei, como reitor, cortes de 20%. Toda vez que o governo federal queria aprovar algo mais polêmico, vinham os cortes. O contingenciamento não aconteceu somente no ensino superior, mas da educação infantil até a educação superior. O que eu vi de positivo, pelo menos na educação básica, foi eles terem procurado a Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), o Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação), o terceiro setor para discutir o Plano Nacional de Educação (PNE), as metas e análises. Estou vendo alguns sinais, pelo menos na educação básica, da criação de uma certa agenda. Agora, o que vai ocorrer daqui em diante, ainda é muito cedo para dizer…
Vamos atingir as metas do PNE?
Na minha opinião, nós só vamos atingir 20% das metas. Para se ter uma ideia desse distanciamento da universidade para a educação básica, as duas metas que nós claramente já alcançamos foram as metas de mestrado e doutorado. É o desalinhamento da educação básica com o ensino superior.
O senhor é a favor do Escola sem Partido?
A escola tem que ser um campo neutro do ponto de vista da política, ela não pode ter componente partidário do ponto de vista do seu cotidiano, do seu projeto pedagógico. Não digo que sou a favor do Escola sem Partido, mas sou a favor de uma escola laica (não apenas no sentido religioso), em que o diretor exerça seu papel de gestor. Caso queira ter posicionamento político, que tenha fora da escola. Podemos emitir as nossas opiniões em um café. Mas, se eu vou dar uma aula, eu não posso forçar os alunos a gostarem do meu candidato ou da minha bandeira. Eu tenho que deixá-los livres. Por exemplo, se eu vou ao médico, eu quero que ele me trate, não quero saber a posição política dele. Da mesma forma dentro da sala de aula. Nos meus anos de professor, eu nunca parei um minuto para discutir política com os meus alunos. A sala de aula tem um objetivo claro: o processo de ensino e aprendizagem.
E como garantir uma educação neutra? Patrulhar e filmar o professor seria o caminho?
Aí não, aí é o pior dos mundos. Algo que se constrói na educação é o processo de confiança mútua, em que cada um precisa fazer o seu papel de maneira correta e ética. Portanto, à medida que você cria um ambiente de medo, de desconfiança entre professor e aluno, você está desfavorecendo o processo de aprendizagem. Agora, se isso acontece, cabe ao diretor da escola, ao coordenador pedagógico zelar por esse processo. Não é o aluno filmar e mandar para o presidente (da República). Acho que tem que preparar a escola com uma gestão eficiente, pautada em resultados, formação de professor e com um processo de aprendizagem condizente com aquilo que a escola pregou em seu projeto político-pedagógico.
É necessário haver um código de ética para os professores?
Eu acho que é importante ter um código de ética, sim. Vendo outros exemplos, é válido estabelecer um código de ética que defina o comportamento para evitar injustiças.
O senhor é a favor da militarização das escolas?
Eu não tenho experiência nesse campo, mas as escolas militares tradicionais funcionam muito bem, têm processos seletivos e custos muito diferentes… Já a militarização pode funcionar em alguns contextos. É um modelo, como aconteceu em Goiás, em que entra um militar com formação de gestão, coloca regras claras, começa a estabelecer disciplina e uma série de pré-requisitos. Aí a escola começa a se organizar e ganha nova vida. Então, pode funcionar no caso de escolas de grande vulnerabilidade social, mal geridas, sem controle, sem nenhuma relação com a comunidade, em áreas com problemas, em que a evasão e o abandono estão lá em cima. Tem escola que é barra pesada… Aí, nesse caso, talvez, você entrar com uma gestão mais experiente, que funcione, e crie essa harmonia com o campo pedagógico possa ajudar. Agora, militarizar todas as escolas não dá.
No projeto que está sendo aplicado no DF há separação entre disciplina e pedagogia. O que acha disso?
Se estiver um tocando ré e outro tocando dó, não vai dar certo. Querendo ou não, vai ter que ter um alinhamento. O papel da Secretaria de Educação é fazer isso funcionar de forma harmoniosa. Se ficar um dando uma ordem e outro dando outra, não resolve.
Como fica o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb)?
É um fundo essencial para o equilíbrio e para a saúde financeira de estados e municípios no trabalho de redução da desigualdade. O que se está colocando em discussão são duas questões. A primeira é: como melhorar a ação redistributiva do fundo para que seja mais justa? Porque você ainda tem muita desigualdade dentro de um mesmo estado. A segunda é: como incorporar eficiência dentro disso? O Fundeb vence em 2020, só que o projeto, que é uma Emenda Constitucional, tem que acontecer este ano, porque há vários gatilhos, várias adaptações que você precisa fazer… Ou seja, vamos ter que aprovar, em 2019, uma Emenda à Constituição num ambiente extremamente difícil, travado, no Congresso. Se tivéssemos um ambiente mais tranquilo, para discutir com mais tempo, acho que poderíamos fazer mais inovações. Por se tratar de emenda, a deputada Dorinha (DEM/TO), que é a relatora, precisará de 308 votos favoráveis. Não vai ter muito espaço para inovação. O que é uma pena. Nesse momento de perda, de corte orçamentário, de Congresso travado com reforma da Previdência, nada favorece. Tem coisas que a gente sabe que seriam desejáveis. Mas são viáveis? Aí vemos que, politicamente e economicamente, não são. Será exigido um grande esforço para ver o que é consenso, e um consenso que de, alguma maneira, promova avanço.
Demandas do século 21
Na última quarta-feira, Mozart Neves Ramos lançou, na sede do CNE, em Brasília, o livro Sem educação não haverá futuro — uma radiografia das lições, experiências e demandas deste início de século 21. “O livro veio para fazer uma varredura desde a educação infantil até o ensino superior, além de ser um mecanismo de atualização”, comenta Mozart, autor ainda dos livros Educação brasileira: uma agenda inadiável (2015) e Educação sustentável (2006) e coautor de A urgência da educação (2011).
Alfabetização, qualidade do ensino, formação de professores e preparação de jovens para o mundo do trabalho são alguns dos temas que perpassam os 21 artigos da nova obra — muitos deles, originalmente, publicados na editoria de Opinião do Correio.
Propostas de soluções e experiências bem-sucedidas do Brasil e do exterior, além da defesa de mais investimentos para o setor, aparecem nos textos. Apesar do caráter opinativo da publicação, Mozart apresenta pontos de vista com respaldo de estudos e dados oficiais. O livro chega ao público por meio da Fundação Santillana e da Editora Moderna e está disponível gratuitamente on-line. Acesse pelo link: bit.ly/livromozart.
Mozart Neves Ramos ocupou o cargo de presidente do Todos Pela Educação, da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior no Brasil (Andifes), do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e do Fórum de Pró-Reitores de Graduação das Universidades Brasileiras (Forgrad). Em 2005, recebeu o título de Educador internacional do ano pelo International Biographical Centre (IBC), de Cambridge. Em química, é doutor pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pós-doutor pela Politécnica de Milão, na Itália.