Magno Martins: ” Sou um escravo da noticia”…

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Hoje, quando celebraremos os dez anos do blog, o Diário de Pernambuco e a Folha de Pernambuco, jornais onde atuei por muito tempo, me abrem um espaço para falar da transição do jornalismo impresso para o online. Afirmo que a internet mudou hábitos e abriu um paradigma, mas em compensação me transformou num verdadeiro escravo da notícia, sem tempo sequer para a família. Veja abaixo alguns tópicos da entrevista que hoje, excepcionalmente, substitui a coluna que posto neste horário.

Aposta no jornalismo

Pauto meu trabalho pela inquietação e enxerguei na internet uma ferramenta que poderia servir de desova de tantas notícias que sobravam da coluna diária que, há dez anos, quando abri o primeiro blog de Pernambuco e um dos primeiros do Nordeste, já escrevia para esta Folha. Estando em Brasília, onde tudo começa e acaba, num ambiente de 180 graus como o Congresso Nacional, em que a notícia muitas vezes vem ao nosso encontro sem a gente buscar, eu tinha muitas informações e o blog chegou na hora certa. Não foi nenhum pressentimento de que estava dando um passo à frente. Acho que foi apenas o momento e também o incentivo que recebi de muitos coleguinhas de profissão.

A origem do blog

Antes da febre da blogosfera eu já era um jornalista conhecido, vinha de uma experiência rica na cobertura da cena nacional em Brasília, passando por vários jornais e bem relacionado, tendo sido eleito presidente do Comitê de Imprensa da Câmara dos Deputados na gestão de Michel Temer. Tinha tido outras experiências, como a coordenação da campanha de Joaquim Francisco para governador, secretário estadual de Imprensa e criado, depois, a primeira agência regional de notícias em tempo real do País, a Agência Nordeste, um caser no País, numa parceria com o Grupo EQM. Os colegas diziam: “Abre teu blog, você vai fazer o maior sucesso. Eu ainda resisti, mas depois me rendi aos fatos e acertei, graças a Deus, como se diz, o alvo do tiro no escuro.

Continua…

A proliferação da blogosfera  

O pai dos blogueiros é o jornalista Ricardo Noblat, também pernambucano, mas atuando em Brasília há muitos anos. No caso de Pernambuco, eu fui o primeiro a apostar na ferramenta. O engraçado foi a reação. Poucos sabiam do que se tratava. Fui objeto de muita gozação, porque o Nordeste em geral e Pernambuco em particular não tinham a cultura online. O impresso reinava absoluto. Tive que andar o Estado todo fazendo palestras de apresentação de um blog, de forma bem didática. Hoje, depois de uma década, Pernambuco é um dos Estados com maior número de blogs e portais do País. Até Solidão, que virou fim do mundo numa reportagem especial da Globo News, tem seus blogueiros.

Fôlego para o trabalho

O jornalismo e a nossa rotina mudaram muito com o advento da internet. Antes do mundo virtual, quando eu entregava a coluna do dia seguinte ao jornal tinha momentos de relaxe, podia me desligar. Hoje, não. O blog me transformou no escravo da notícia. Num depoimento para o vídeo que exibiremos na festa dos dez anos do blog, hoje, o senador Douglas Cintra disse algo muito interessante. Afirmou que eu não dormia nem deixava ninguém dormir. Herdei do meu pai não apenas a vocação e o tino jornalístico, mas a grande disposição para o trabalho. Sou um apaixonado pela profissão. Como disse, certa vez, Gabriel Garcia Márquez, o jornalismo é uma paixão insaciável que só se pode digerir e humanizar mediante a confrontação descarnada com a realidade. Disse ele: “Quem não sofreu essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso, não pode sequer conceber o que são. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte”.

Os jornalistas do futuro

A nova geração é diferente e peca em não buscar referências, ler pouco e não se entrega à profissão com o amor e paixão. Eu li em Elio Gaspari uma lição que se aplica muito bem aos que estão formando o exército da nova geração do jornalismo: repórter inteligente tem que ser burro. Ele pergunta, pergunta, pergunta e retorna à redação com todas as informações de que precisa para escrever sua matéria. Se pensarmos bem, é exatamente esta a função do jornalista: apurar, apurar, apurar, checar, checar, checar, perguntar, perguntar, perguntar, e só depois, escrever e publicar. Mas acontece que muitos jornalistas, por preguiça, soberba ou mesmo por pressa, acabam achando que já sabem das coisas e portanto não precisam questionar. E é aí onde está escondido o erro. O bom jornalista segue à risca o princípio do filósofo Sócrates: “Só sei que nada sei, e o fato de saber isso, me coloca em vantagem sobre aqueles que acham que sabem alguma coisa”. Realmente, os que não tem vergonha de perguntar, por mais idiota que possa parecer a pergunta, sempre estarão à frente dos “sabidos”.

Concorrência desleal

Não é de estranhar que nos Estados Unidos, em 2008, mais pessoas obtiveram suas notícias gratuitamente na internet do que em jornais ou revistas pelas quais tenham pago algum dinheiro. Será que nesse mundo faz algum sentido o lema all the news that´s fit to print (todas as notícias, isso é apto para impressão) do New York Times? Talvez aí esteja a chave para o futuro dos jornais. Deixarão de ser newspapers em mais de um sentido, já que são derrotados ingloriamente na corrida tecnológica da notícia e nos custos (econômicos e ambientais) do papel. De modo crescente – e irreversível –, as notícias (news) vão para o digital, para o tempo real gratuito e, onde houver aprofundamento e exclusividade, para um modelo pago e, portanto, economicamente sustentável. E o papel? Os jornais se tornarão journals. ‘Diários’, a bem dizer, não como algo impresso a cada dia, mas na dimensão quase afetiva do objeto físico onde se depositam (Querido Diário, hoje eu…) impressões, análises e opiniões sobre aquilo que se vive e viveu. A Economist, revista mais influente do mundo, gosta de se definir como journal. No limite, a missão – e a chance – dos jornais impressos será rever o quotidiano com os olhos da razão. É isso. Rever. Jornais impressos serão revistas.

Revolução na informação

Sem dúvida. A internet mudou hábitos, conceitos e a rotina da humanidade. Esta semana vimos, por números oficiais, que 70 milhões de brasileiros a mais já estão se informando e usando os serviços da net mediante o uso de celulares. Isso é fantástico! Para nós, jornalistas, não poderia ter surgido melhor alternativa de trabalho. Quando comecei em jornal, no início da década de 80, escrevíamos em máquinas de datilografia e o aparelho mais veloz para se transmitir o texto era o telex, vindo depois o fax. As notícias não demoravam chegar apenas às redações, mas aos leitores. Hoje, com um celular na palma da sua mão você faz a notícia chegar ao seu leitor em segundos.

A crise dos jornais

Nada de apocalipse, nada de assustar o mercado e os leitores. Os jornais em papel têm vida longa, desde que entendam que os tempos mudaram e que não se deve mais pensar como no século passado. Minha esperança é de que as empresas jornalísticas consigam se transformar rápido o suficiente para manter redações sólidas, mesmo que os leitores tornem-se digitais. Entretanto, fica óbvio que no curto período de 15 anos, o conceito de jornal impresso corre um grande risco de desaparecer, mas pode resistir porque a receita dele ainda é sobremaneira muito maior. O digital é responsável, geralmente, por, no máximo, 25% do lucro. Ao mesmo tempo, ou paradoxalmente, cada geração é progressivamente mais digital. Temos duas situações em curso. Está muito claro que não se pode escolher uma data e dizer que, em 2030, não teremos muitos jornais impressos no mundo.

O futuro que nos espera

O que vai acontecer entre 2016 e 2030 é o que é realmente interessante e desperta curiosidade. O Google tem sido, de longe, o principal responsável pela queda publicitária dos jornais nos últimos oito anos. O Google é parceiro do Google. Eles não ficam sentados nos escritórios ponderando: “O que podemos fazer pelos jornais?”. Eles se perguntam: “Como podemos conseguir mais publicidade?”. Ainda assim, 98% da receita do Google vem de propaganda. Então, fica claro que é um competidor. A empresa fica com essa publicidade do mercado nos níveis local, nacional e global. E todo esse dinheiro costumava ir para empresas jornalísticas e emissoras de rádio e TV.

A guerra do mercado

O jornal não tem mais o controle do ciclo do anúncio. Os jornais perderam o controle sobre o ciclo da propaganda e sobre a distribuição, desde o momento em que o Facebook e o Google fecharam acordos de distribuição do seu conteúdo. Para conseguir os page views necessários para melhorar o faturamento, tiveram que entregar a ambos parte de seu negócio. Cada vez mais a publicidade os considerará um ponto da Internet, competindo com lojas de departamento, blogs independentes, sites de compras, etc. E a maior parte dessa publicidade não passará sequer pelos bureaus independentes, mas pelas redes sociais, especialmente Google e Facebook.

A notícia está nas ruas

Eu costumo dizer pela minha experiência nessa transição do papel para o online que se contar uma boa história, se for bem escrito, se prender atenção, o jornalismo impresso vai durar para sempre. Sou de uma geração que penso que a notícia não está nas salas refrigeradas das redações silenciosas com a chegada da era digital. A notícia está nas ruas e o bom repórter tem que ir ao encontro dela para levá-la ao leitor. Tenho cinco livros, dos quais quatro são de reportagens. No Nordeste que deu certo andei 10 mil km para mostrar a face de uma região pujante do ponto de vista econômico. Em Reféns da seca foi a mesma coisa, andei mais de 10 mil km para retratar a maior seca dos últimos 50 anos. Recentemente, fui aos nove Estados do Nordeste desmistificar o Bolsa Família. Neste momento em que o País está mergulhado na maior crise política e econômica da sua história tenho estado em Brasília permanentemente. Jornalista é, hoje, uma das profissões mais vitais para o bom andamento do dia a dia. Com a quantidade de informações que recebemos, muitas vezes não conseguimos filtrar o que é verdadeiro ou não. Essa é a função do jornalista, apurar e ter certeza de que tudo é verdadeiro!