Existem homens que nascem para amar uma só mulher, uma só pátria, apenas um solo mãe, mesmo que sedento, esturricado, de pouco verde e sol ardente como João Alfredo, a pequenina pátria de berço esplêndido que Severino Cavalcanti, morto ontem, aos 89 anos, amava muito mais que o Brasil. Zito, como era conhecido, não amava o Brasil, amava João Alfredo. Não era cidadão brasileiro, era cidadão joãoalfredense. Seu torrão natal estava acima de tudo e de todos.
Mesmo eleito presidente da Câmara dos Deputados, cargo que coroou a sua trajetória política de mais de 70 anos, Zito não pensava o Brasil, pensava João Alfredo, município que governou por duas vezes, a primeira nos anos de chumbo da tumultuada e aterrorizante década de 60, e pela segunda vez, dois anos após renunciar à Presidência da Câmara, envolvido no chamado “escândalo do mensalinho”. Nesta, em 2008, saiu consagrado nas urnas, de alma lavada.
Já havia falar muito do velho cacique. Ainda universitário, estudante de Jornalismo no Recife, acompanhei o noticiário da sua contenda para expulsar o padre italiano Vitor Miracapillo, que se recusou a celebrar uma missa pela independência do Brasil na cidade de Ribeirão, Zona da Mata, em 1980. Mas a aproximação verdadeira, mais efetiva, profissionalmente, se deu a partir do primeiro mandato dele de deputado federal, em 1995, quando eu estava no comando da sucursal do Diário de Pernambuco, em Brasília.
Agarrado às origens da minha matutice de Afogados da Ingazeira, tomei um susto quando o entrevistei pela primeira vez. Em dez frases, ele citou João Alfredo em todas elas. Aquilo me chamou atenção. Passei a aprender a nunca esquecer daquilo que transformou o que somos hoje. Negar origens é negar o que somos. O homem que nega seu passado sente vergonha do que foi. Elias Torres, pensador célebre, dizia que quem nega suas origens não merece ser árvore.
Tudo isso veio para reflexão depois que fui compreendendo quanto era forte João Alfredo na vida de Severino Cavalcanti. Envolvido num escândalo que arrebatou das suas mãos o poder de presidente da Câmara, numa história de um mensalinho que depois não se comprovou, Zito teve grandeza de arquivar sete pedidos de impeachment do ex-presidente Lula, envolvido na baita maracutaia, o “Mensalão”.
Obrigado a deixar de andar no Salão Verde cercado de seguranças, jornalistas e bajuladoras, quando se viu obrigado a renunciar para não ser cassado e, consequentemente, perder seus direitos políticos, foi a sua pátria João Alfredo que Severino entregou o julgamento popular da sua volta à vida pública. A cidade, que nunca lhe faltou, estendeu a mão. O poder da sua aldeia estava novamente sob o seu domínio.
Dá para compreender, portanto, a razão do tamanho e até então inexplicável amor. Abandonado por Brasília, Zito voltou ao seu torrão João Alfredo e cantou: “Criei asas e voltei, voltei para minha terra natal e todos aqueles que sempre tratei de amigos não serão mais amigos, mas irmãos”. São as circunstâncias da vida, para o velho líder joãoalfredense, que, na verdade, ditam as regras.
Severino foi um político conhecido no Brasil inteiro, andou por diversos cantos do mundo sem sair, literalmente, da sua aldeia João Alfredo. Dizia, contemplando do Planalto Central seu berço natal como um retrato dolorido na parede, que a terra em que se nasce não é o lugar onde se aterrissa. É o lugar onde decola.