Como você se sentiria se destruíssem o seu local sagrado, se pusessem no chão a fé que te mantém de pé? Há duas semanas, o babalorixá Lívio Martins, líder do Terreiro das Salinas, em São José da Coroa Grande, no Litoral Sul de Pernambuco, revive, diariamente, essa pergunta. No espaço onde antes eram realizados os ritos religiosos, hoje nada mais há, a não ser a crença por justiça e a luta para reconstruir aquilo que o fogo, e provavelmente o racismo, levou.
Apesar da brutalidade, casos de violência contra religiões de matriz africana não são incomuns no País. Em seu livro “Intolerância Religiosa” (Jandaíra, 2020), finalista do Prêmio Jabuti 2021, o professor e escritor Sidnei Nogueira analisou dados de 2016 a 2019 do Disque 100, com chamadas relacionadas à religião. “A gente percebe que 80% das denúncias eram ligadas às religiões de matriz africana”, comentou.
Nesses casos, explica, a intolerância, na verdade, tem outro nome: racismo. “O que nós chamamos de intolerância religiosa no Brasil, na verdade não é intolerância, é racismo religioso. São denúncias sofridas por terreiros de umbanda, candomblé, quimbanda, jurema. E os ataques usam palavras como ‘preto macumbeiro’, ‘bruxo’, ‘feiticeiro’”.
A professora de balé Rossônia Kelly Gonçalves, primeira filha de santo iniciada no Terreiro das Salinas, comenta que o racismo religioso, mesmo que às vezes velado, é percebido em situações do dia a dia.
“Eu tentei alugar uma casa aqui mesmo e estava tudo certo. Quando as pessoas souberam que eu era do candomblé, desse terreiro, desistiram na hora. Não é dito explicitamente, mas a gente sabe o motivo nas entrelinhas”, contou.
Enquanto aguarda por justiça, ela deseja que o local se torne símbolo da luta dos povos de terreiro. “Para as pessoas saberem que aqui foi uma casa que foi violada. E espero que as autoridades achem os culpados para ser uma referência de que nada fica impune”.