Veja – Logo após a primeira eleição de Lula, em 2002, um personagem absolutamente desconhecido do público em geral era o centro das atenções — mais requisitado inclusive do que muitas autoridades de Brasília. Marcos Laguna assessorava o então presidente eleito na sede do governo de transição.
Em meio à formação do ministério, era ele o responsável pela missão de telefonar para os políticos e marcar uma “reunião urgente” a pedido do chefe. Reza a lenda que essa “reunião urgente” era uma espécie de senha que precedia o convite oficial aos candidatos a ocupar uma cadeira no primeiro escalão do futuro governo.
Se Laguna ligasse, o sujeito podia alimentar alguma esperança. Caso contrário… Certa vez, sabendo disso, o ex-governador Marcelo Déda passou em frente de um grupo de deputados que aguardava uma audiência com Lula e gritou: “Ministro, é o Laguna”.
Ninguém lá era ministro, mas todos responderam ao chamado. Vinte anos depois, a história é contada pelos petistas como anedota diante do imenso número de ministeriáveis que se apresentam para compor o não menos gigantesco ministério que o petista precisará criar para acomodar aliados e atender a compromissos pretéritos e futuros.
Durante a campanha, Lula evitou antecipar qualquer detalhe sobre a formação do que seria o seu terceiro governo — se o fizesse, dizia, iria lançar os nomes dos futuros auxiliares na fogueira e poderia melar os planos.
Depois, garantiu que trataria do tema horas após o resultado do segundo turno. Mais de duas semanas depois da eleição e sem um anúncio sequer, Lula ignorou até agora a pressão do mercado financeiro e do entorno político, fechou-se em copas e tem se debruçado sobre a complexa partilha de poder. Aliados explicam a demora: não tem lugar para todo mundo.
Soberano sobre a escolha do time, o presidente eleito tem o desafio de fazer fechar a conta que ele mesmo elevou às alturas. Antes do primeiro turno, o petista não economizou promessas para garantir o amplo arco de apoio que envolveu dez partidos, além do engajamento de lideranças políticas em torno de sua candidatura.
Com a disputa acirrada e totalmente imprevisível no segundo turno, Lula teve de abrir ainda mais o leque de compromissos para atrair o apoio do PDT de Ciro Gomes e da ex-candidata Simone Tebet (MDB).
Para acomodar esse enorme contingente de aliados, o presidente eleito estuda desmembrar ministérios (da Economia para Planejamento e Fazenda, por exemplo), criar ou recriar novas pastas (Povos Originários, Igualdade Racial, Cultura, Esporte, Cidades…). No governo de transição, simulações preliminares indicam que, com as mudanças que ainda serão anunciadas, a Esplanada deve passar dos atuais 23 ministérios da gestão de Jair Bolsonaro para no mínimo 37 pastas.
Se considerados apenas os nomes apontados como prováveis ministeriáveis, seria necessário dobrar essa estrutura para abrigar todo mundo. Daí a dificuldade do presidente eleito, que tem algumas certezas, muitas dúvidas e uma gama de interesses que precisam ser atendidos, além de outra gama do mesmo tamanho que, por prudência política, mesmo sem ser atendida, não deve ser contrariada. O caso de Simone Tebet, por exemplo.
De adversária a aliada, a senadora deve garantir um ministério na área social. O MDB, no entanto, já avisou que a eventual indicação dela entraria na cota pessoal do presidente — ou seja, para formalizar o ingresso do partido na base governista, a legenda quer escolher um ministeriável afinado com os caciques, o que Tebet não é.
Ao menos um nome já corre nessa raia. Ex-ministro das Comunicações do primeiro governo Lula, no início deste ano Eunício Oliveira flertou com a possibilidade de se candidatar ao governo do Ceará, mas acabou topando concorrer a um cargo menor, de deputado federal, para não comprometer a estratégia política do PT no estado.
Na época, um estrategista de Lula, falando em nome do petista, procurou o ex-ministro para tentar demovê-lo da ideia de entrar na disputa pelo executivo cearense, lembrando que ele havia sido ministro “por pouco tempo”. O recado foi devidamente captado. Eunício desistiu de disputar o governo, se elegeu deputado federal e agora espera ocupar o Ministério da Integração ou das Cidades, pastas que devem ser recriadas por Lula.
As negociações também envolvem as cúpulas partidárias. O presidente do PDT, Carlos Lupi, foi um dos principais articuladores do apoio a Lula no segundo turno — ele se posicionou antes mesmo de Ciro Gomes. Agora, a legenda também pleiteia uma retribuição em forma de ministério. Não se sabe ainda se Lula vai atender à reivindicação, mas a simples possibilidade de que isso aconteça já provoca uma disputa interna pela posição de ministeriável pedetista. Há pelos menos três candidatos ao posto.
O que esses candidatos não sabem é que, em conversas com os correligionários, o próprio Lupi confidenciou sua intenção em voltar a ocupar o Ministério do Trabalho, pasta que já comandou no governo de Dilma Rousseff. O PSD enfrenta uma situação parecida. Presidido pelo ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, a legenda manteve a neutralidade na eleição presidencial, mas, após o resultado, aproximou-se do PT.
O partido acha que merece ao menos dois assentos no futuro ministério. Cabo eleitoral de Lula em Minas Gerais, o senador Alexandre Silveira (MG) sonha com o Ministério de Minas e Energia.
O presidente eleito ainda tem o desafio de encontrar espaço para aliados de primeira hora que acabaram ficando pelo caminho, seja a pedido do próprio petista, seja por terem sido derrotados nas urnas. Fernando Haddad (PT), por exemplo, perdeu a disputa para o governo de São Paulo e está sem mandato. O governador da Bahia, Rui Costa (PT), que sacrificou a candidatura ao Senado para facilitar aliança que beneficiavam Lula no estado, deve ser recompensado.
Na mesma linha, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) desistiu da candidatura ao governo do Amapá após ouvir do ex-presidente que ele teria um papel mais importante a desempenhar em Brasília a partir de 2023. Coordenador da campanha petista, Randolfe, num sinal de prestígio, fez parte da comitiva de Lula que foi à COP27 na última terça-feira. Estava ao lado da ex-ministra Marina Silva. Ambos são cotados para ocupar a pasta do Meio Ambiente.
À exceção de Fernando Collor e Jair Bolsonaro, que iniciaram seus mandatos rechaçando a composição política, o histórico brasileiro mostra que os governantes precisam buscar uma coalizão ampla para governar — e a repartição dos ministérios é parte essencial dessa estratégia. “É um jogo complexo de barganha”, afirma Acir Almeida, doutor em ciências políticas e pesquisador do Ipea.
“O tamanho do ministério reflete o resultado de um conjunto de negociações entre o presidente, os partidos e grupos parlamentares. Não prevalece a motivação apenas de quem nomeia”, lembra.
De fato, o sucesso em acomodar essa diversidade de interesses, nem sempre convergentes, refletirá na imagem e no bom funcionamento do governo. É uma missão que exige habilidade,