De uma ilha no Litoral Norte pernambucano vem um som que, para se dançar, todos se dão as mãos e imitam as ondas do mar. Trata-se da ciranda, que vai e vem, recua e avança, assim como as águas. O ritmo não seria nada sem um de seus expoentes: a Rainha da Ciranda, Lia de Itamaracá. Em janeiro, Lia completou 75 anos e, como parte de um conjunto de comemorações, foi concedido ontem (27) à cantora o título de doutora honoris causa. O evento foi organizado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e a solenidade ocorreu no Teatro Guararapes, em Olinda.
O título de doutor honoris causa é dado àqueles que dedicaram sua vida para o desenvolvimento da educação e cultura local. Lia, que vem da ilha da “pedra que canta” (significado de Itamaracá em tupi-guarani), faz parte do imaginário pernambucano e nacional como símbolo vivo, da memória da música negra e afetividade da cultura popular. “A estação tocava música pernambucana, mais do que hoje, diga-se de passagem. E, ainda criança, percebi um som diferente, como uma batida, e sem que ninguém falasse nada, sem que ninguém combinasse nada, meus tios começaram a formar uma roda, deram-se as mãos e começaram a girar”, conta, em tom nostálgico, o professor Francisco Barros, responsável pelo texto de homenagem.
A UFPE reiterou a valorização e compromisso com o notório saber popular. “Acreditamos na pluralidade de saber. Todos. Sem hierarquia, cada um com sua importância”, reforçou a diretoria da instituição, através de texto lido na mesa solene. Além do professor Francisco Barros, do Centro de Ciências Jurídicas, a homenagem contou com a presença do reitor Anísio Brasileiro, da vice-reitora Florisbela Campos, de pró-reitores, professores e técnicos administrativos da UFPE, além de diversos familiares, artistas, fãs e autoridades, como o secretário estadual da Cultura, Gilberto Freyre Neto, e o presidente da Fundarpe, Marcelo Canuto.
EU SOU LIA
“Eu sou Lia da beira do mar, morena queimada do sal e do sol, da Ilha de Itamaracá”. A canção ecoou por todo o hall do Centro de convenções na manhã de ontem. A música, assim como Asa branca de Luiz Gonzaga, Frevo nº 1 de Antonio Maria e Voltei, Recife de Capiba, faz tremer e bater mais forte o coração. Ao fim da cerimônia, todos se reuniram em um círculo, entrelaçaram os dedos, pisaram forte no chão e rodaram. Lia de Itamaracá, que é Patrimônio Vivo de Pernambuco, é uma força da natureza. E essa força nos prova que uma ciranda não se dança com um ou dois, mas em coletivo. Democrática, aberta, onde sempre cabe mais e todos podem dançar. (Diário de Pernambuco)