Diário de Pernambuco
Uma crise de saúde mundial, como a que estamos vivendo durante a pandemia do novo coronavírus afeta de forma mais grave as populações mais vulneráveis. No Recife, a disparidade entre os diagnósticos da Covid-19 e os casos de óbitos nos bairros mais pobres revelam que a desigualdade se torna mais um obstáculo no combate à disseminação do novo coronavírus. Diariamente, os boletins de saúde da capital mostram que a relação entre o surgimento de novos casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e óbitos traça um panorama nas diferentes regiões da cidade.
Segundo dados da Secretaria de Saúde do Recife, o bairro da Mustardinha, na Zona Oeste do Recife por exemplo, registrou 44 casos de Covid-19 e 20 óbitos pela doença. Já no bairro de Casa Forte, na Zona Norte, foram identificados 78 diagnósticos de Srag por Covid-19 e 11 mortes por essa causa. Nos bairros em que a população tem renda mais alta, o número de diagnósticos da Covid-19 é maior, mas o número de óbitos é inferior. Já a letalidade nos bairros pobres é maior, mesmo com o número de casos diagnósticos sendo mais baixo.
Esse retrato da desigualdade foi revelado em uma pesquisa do Departamento de Ciências Geográficas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). O trabalho foi coordenado pelo geógrafo Jan Bitoun. O estudo concluiu que a letalidade por Covid-19 nos bairros mais precários chegou a ser duas vezes maior em comparação aos bairros mais ricos.
Os pesquisadores agruparam os 95 bairros recifenses em cinco estratos, considerando o percentual de área ocupada pelas comunidades de interesse social. O conjunto de 21 bairros tem apenas 3% de área ocupada por moradias precárias, entre os bairros que integram esse grupo estão, por exemplo, Casa Forte e Graças. Outro conjunto de 17 bairros ocupa em até 86% das construções precárias. Entre eles, a Mustardinha, Brasília Teimosa e Ilha de Joana Bezerra. Os casos de Srag por Covid-19 para 100 mil habitantes passam de 600 nos 21 bairros sem assentamentos precários e diminuem para 400 casos nos estratos com até um terço de suas áreas em assentamentos precários.
Segundo o pesquisador, os assentamentos precários, onde os moradores convivem com a vulnerabilidade de infraestrutura urbana, sem acesso à água encanada, essencial na higiene nesse momento, são riscos apontados no estudo e o número de registros da doença só é menor por falta de acesso aos exames de testagem. “Os bairros mais ricos tinham mais casos por 100 mil habitantes do que as comunidades de interesse social. Nos óbitos, por 10 mil habitantes, era ao contrário. Isso mostrou que as pessoas nos bairros mais pobres não têm acesso ao diagnóstico. A saúde primária ficou negligenciada porque a energia ficou em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Portanto, os que já tinham comorbidades, que já não eram tão controladas, sofreram mais”, comentou Jan Bitoun.
A possibilidade de cumprir o distanciamento social e manter-se em casa também se torna um privilégio. A professora Livanete Bandeira, de 32 anos, está sem trabalhar há cerca de quatro meses. Nesse período, ela improvisou um carro de mão para vender bananas com a prima na Rua Neto Campelo Júnior, principal via da Mustardinha. Todos os dias, das 7h às 18h, as duas iniciam o trabalho. “Tivemos que nos adaptar e encontramos nosso jeito”, revelou. “Deveria haver uma maior presença de agentes de saúde nessas localidades e aumento de testagem para iniciar cedo o tratamento”, apontou Bitoun.