Flávio, Carluxo e Duda tinham um pai deputado e militar reformado que já colecionava controvérsias em Brasília, mas naquela virada do milênio a política lhes interessava menos do que a boa vida de classe média alta na zona norte do Rio. E essa aí era pródiga em excursões à base de protetor solar e vodca com refrigerante para praias e baladas vizinhas -ou “nights”, como os cariocas se referem às festas noturnas.
Antes de virarem peixe grande na política, eles eram, nas palavras de Jair Bolsonaro, os “piás” do condomínio onde adolesceram, batizado em homenagem a outro clã político: o Sáenz Peña, sobrenome de dois ex-presidentes argentinos, um pai e um filho.
“Eu acompanhava, em parte, as atividades deles todos”, disse o presidente no último dia 16. “E vi que daquela garotada da [rua] Dona Maria, 71, temos um presidente do BNDES [Gustavo Montezano], temos um senador da República [seu primogênito, Flávio, 38, do PSL-RJ] e temos também, se Deus quiser, um embaixador na potência mais importante do mundo.”
Bolsonaro finalizou falando de seu filho deputado, Eduardo (PSL-SP), 35, por ele indicado para chefiar a diplomacia brasileira nos EUA. Entre a galera do Sáenz Peña, era só Duda mesmo. Já seu irmão Carlos (PSC-RJ), 36, vereador desde os 17 anos, atendia pelo apelido que até hoje o acompanha: Carluxo.
O pai Jair e os filhos Flávio, Carlos e Eduardo registraram no imóvel onde viveram parte dos anos 1990 e 2000 a Bolsonaro Digital Ltda., empresa criada em 2017 para monetizar vídeos da família no YouTube, com capital simbólico de R$ 1.000 (está inativa).
A mãe dos três e ex-mulher do presidente, Rogéria Bolsonaro, também sócia no negócio, até hoje vive lá, no apartamento 503 do bloco 1. A área, oficialmente, é Vila Isabel. Mas os moradores do conjunto de prédios com duas piscinas, sauna e churrasqueira, onde uma unidade hoje sai por cerca de R$ 1,2 milhão, reconhecem-na como Tijuca. Foi nesse bairro, o mais populoso da zona norte carioca, que Jair criou o trio mais velho de seus cinco filhos.
A despeito do pai já famoso por posições ultradireitistas, como sugerir o fuzilamento do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) junto com “uns 30 mil corruptos”, pareciam jovens como outros quaisquer, segundo amigos do passado deles com quem a reportagem conversou. Nenhum deles quer se identificar, por medo de represálias da comunidade bolsonarista.
“Aquele prédio era o fervo do bairro no início dos anos 2000”, rememorou uma ex-vizinha, num relato de 2018 nas redes sociais. “Lá acontecia de tudo. Tão de tudo que passaram a fechar o playground depois das 22h para coibir a venda e o consumo de drogas. Colocaram câmeras nas escadas, passaram chave no elevador.”
Nada que envolvesse, até onde se sabe, os filhos do futuro presidente do Brasil. Um deles, o Duda, às vezes ia com ela para o cursinho de idiomas Brasas, “trocando ideia sobre bandas de rock e nicknames [apelidos] engraçados no ICQ”, contou, lembrando do programa de computador que funcionava como o WhatsApp daqueles tempos.
Memórias que ficaram: ele tinha o cabelo do Nick Carter (“loirinho, de tigela”), caçula da mais popular boy band da época, Backstreet Boys, e andava de Reef, a grife surfista.
A praia da Joatinga, na Barra da Tijuca, era uma das preferidas para pegar onda. A estação mais quente do ano foi destaque em “História de Verão”, clipe da banda de rock-pop Forfun no qual Eduardo aparece por um breve segundo, com suas madeixas à moda Carter.
Ele e Carlos eram amigos dos integrantes do grupo. Um deles, o agora cientista político e ainda músico Rodrigo Costa, comentou numa foto antiga reproduzida nas redes sociais em 2018, todos eles jovenzinhos: “Todo mundo garoto, né, enchia a cara, fazia merda. Se conhecendo, conhecendo limites, aprendendo… Saudável. Eu cheguei a ser de esquerda! Faz parte. Assim que cresceram, logo tomaram juízo, pois tinham base.”
O bochicho era na Tijuca mesmo, na praça Varnhagem ou na já extinta boate Terceiro Milênio, ou não muito longe dali, em “nights” na quadra da escola de samba Salgueiro ou num clube no New York City Center, shopping que causou frisson ao ser inaugurado em 1999 na Barra: trazia uma réplica da Estátua da Liberdade.
As meninas, contam os amigos do passado, suspiravam por Duda no condomínio e também no Palas, escola tijucana onde parte dos filhos de Jair fizeram o ensino médio -o fundamental foi ali perto, no Colégio Batista Brasileiro, fundado por missionários evangélicos americanos.
O Palas, com mensalidade atual em torno de R$ 2.000 e o ator Thiago Lacerda no rol de ex-alunos, quer formar turmas “no sentido de colaborar com as famílias na composição de pessoas de bem”, tudo “sem intenções ideológicas”, diz o diretor da unidade que acolheu Carlos e Eduardo, Ivo Gerscovich. De Carluxo ele lembra bem: “Um rapaz tranquilo, de bons relacionamentos, bem no feito de nosso público”.
Como recordou o presidente, um dos colegas dessa juventude tijucana dos filhos era Gustavo Montezano, que tomou posse no último dia 19 como novo comandante do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). A amizade entre ele e Eduardo sobreviveu aos anos.
Em 2015, o deputado era um dos convidados na festa em que Montezano arrombou dois portões do edifício onde morava, em São Paulo. Ele queria continuar as comemorações de seu aniversário, que começaram em outro endereço. Porteiro e zelador tentaram barrar a turma que chegava na madrugada, em vão. A farra acabou em inquérito policial.
Quatro anos depois, Jair Bolsonaro diria sobre ele: “Esse garoto que está aí eu conheço desde piá, lá na Dona Maria, do 71. Amigo dos meus filhos. Essa juventude merece respeito”.