Por: Isabel Fleck, Flávio Ferreira, William Castanho e Uirá Machado, da Folhapress
Diante da dificuldade que a defesa do ex-presidente Lula tem enfrentado no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e no STF (Supremo Tribunal Federal), três deputados petistas entraram, no fim de semana, com um pedido de habeas corpus diretamente no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
Após um impasse entre juízes que se estendeu pelo domingo (8), o presidente do TRF-4, Carlos Eduardo Thompson Flores, foi chamado a arbitrar o caso e decidiu que o ex-presidente deveria continuar preso.
O pedido dos petistas havia sido acatado na manhã pelo juiz plantonista Rogério Favreto, que já foi filiado ao PT e não tem atribuição direta sobre a Operação Lava Jato. Favreto considerou um “fato novo” a condição de Lula como pré-candidato à Presidência, o que justificaria a urgência da decisão em seu plantão.
Seguiu-se, então, uma guerra de despachos: de um lado, Favreto, do outro, o juiz Sergio Moro – que determinou a prisão de Lula em abril e estava de férias – e o relator da Lava Jato no TRF-4, João Pedro Gebran Neto. Apenas à noite Thompson Flores deu a palavra final negando o habeas corpus. Algumas questões, no entanto, ficaram nebulosas. A reportagem ouviu especialistas para respondê-las.
Houve quebra de hierarquia na decisão do juiz plantonista?
Em seu plantão, Rogério Favreto deferiu o pedido feito pelos deputados petistas para libertar Lula, que foi condenado, pelo TRF-4 (tribunal de segunda instância), em janeiro, a 12 anos e 1 mês de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro referentes ao caso do tríplex do Guarujá.
Para o advogado e ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Carlos Velloso, a decisão de Favreto foi “teratológica”. “Quem mandou prender Lula? Foi o Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Este habeas corpus de agora foi requerido a um juiz do próprio tribunal contra uma decisão do tribunal, portanto foi um pedido incabível.”
O professor de direito da FGV-Rio Ivar Hartmann considera que o movimento de Favreto é questionável não propriamente por quebra de hierarquia, mas pelo fato de que o desembargador sabia que o habeas corpus não deveria ter sido pedido ao TRF-4.
“Mesmo sabendo que esse habeas corpus deveria ter sido dirigido ao STJ e não ao TRF-4, ele optou por aceitar os argumentos da defesa. Isso sim é grave, porque ele não tinha competência [jurisdição] para decidir”, diz Hartmann.
Segundo a professora de direito da USP Maristela Basso, Favreto tinha responsabilidade, na teoria, para julgar um habeas corpus. “Contudo, o caso já foi decidido por outro juiz”, afirma.
A decisão do juiz plantonista, nesse sentido, segundo ela, afronta o princípio da boa-fé processual e também do devido processo legal. “Ele tem competência [jurisdicional], mas não tem legitimidade.”
Continua…
Houve quebra de hierarquia na manifestação de Moro?
Em reação à liminar de Favreto, Moro – mesmo de férias – disse que não cumpriria a decisão pois o desembargador, segundo ele, não tinha competência para determinar a soltura. Favreto publicou, então, novo despacho dizendo que Lula deveria ser liberado imediatamente.
Hartmann considera que Moro errou neste caso, porque, como juiz de primeira instância, contestou a decisão do juiz de segunda instância. “Aí sim tem algo que a gente possa descrever como quebra de hierarquia”, diz. Segundo o professor, Moro escreveu seu despacho de maneira inteligente, já que não poderia escrever explicitamente que estava suspendendo a decisão do desembargador. “O que ele fez foi produzir uma decisão que, embora não dissesse isso, na prática, tivesse esse efeito [de suspensão]. E ele estava consciente desse efeito, esse era o efeito que ele buscava”, afirma.
Embora considere os argumentos de Favreto fracos, o professor de direito da USP Luciano Anderson de Souza diz que não compete ao juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal Criminal da capital paranaense, descumprir a sentença.
Para Luiz Guilherme Conci, professor de direito da PUC-SP, a decisão deveria ser contestada nas instâncias superiores, e não por Moro e João Pedro Gebran Neto, relator da Lava Jato no TRF-4. “O Judiciário está em uma situação delicada e, com essas decisões, ela só é aprofundada”, diz Conci. “É uma espécie de anarquia.”
O juiz relator do caso no TRF-4 pode chamar para si a decisão no plantão?
João Pedro Gebran Neto, relator da Lava Jato no TRF-4, escreveu um despacho após a troca de decisões entre Favreto e moro, chamando para si a atribuição de decidir o caso, apesar de não estar no plantão do fim de semana.
Ele determinou que a ordem não fosse cumprida, disse que o colega de tribunal foi “induzido a erro” pelos petistas e afirmou que a distribuição do caso de Lula em um plantão “chama a atenção”.
Para Hartmann, Gebran também agiu errado. “A competência naquele domingo era do juiz de plantão, segundo as regras do tribunal. Não cabia ao relator tomar a decisão. Ele passa a ser competente novamente quando acaba o plantão”, diz.
É papel do presidente do TRF-4 deliberar para resolver um impasse entre desembargadores?
Após o despacho do relator da Lava Jato no TRF-4 determinando que a ordem não fosse cumprida, Favreto subiu o tom e deu um prazo de uma hora para que a soltura de Lula fosse consumada. Três horas depois, o presidente do TRF-4, Carlos Eduardo Thompson Flores, deu a palavra final no caso e determinou que o ex-presidente permanecesse na carceragem da Polícia Federal em Curitiba.
Hartmann considera que, neste caso, não havia outra alternativa que não fosse uma manifestação de Thompson Flores. “Uma vez que dois desembargadores tomaram decisões quando não deveriam, cabia realmente ao presidente do tribunal pacificar isso”, disse. Segundo ele, não era papel da ministra do STF Carmen Lúcia deliberar sobre o tema. ‘Isso nunca chegou no STF, ela não tinha que fazer absolutamente nada. Quem deveria, tecnicamente, se manifestar era a instância competente para julgar esse habeas corpus – que era o STJ -, só que ele não chegou a ser provocado.”
Havia mesmo um fato novo para fundamentar a urgência do habeas corpus?
Os deputados federais Wadih Damous, Paulo Pimenta e Paulo Teixeira, todos do PT, alegaram ao plantonista que Lula está impedido de participar de pré-campanha para a Presidência. O argumento foi acatado por Favreto.
De acordo com o professor de direito da USP Luciano Anderson de Souza, o argumento dos deputados é questionável. “Não me parece um fato novo que justifique [a concessão de] habeas corpus”, diz. Segundo ele, já era sabido que Lula tem a intenção de disputar a eleição presidencial deste ano, mesmo condenado em segunda instância pelo caso do tríplex de Guarujá (SP) e preso em Curitiba.
O fato novo – a participação de Lula em sabatinas e entrevistas – defendido pelos autores do habeas corpus também é rebatido por Luiz Guilherme Conci, professor de direito da PUC-SP. “Não é uma fundamentação usual.”
Para Hartmann, o argumento é a parte mais fraca de todo o habeas corpus concedido por Favreto.
Derrotas de Lula na Justiça
TRF-4 (segunda instância)
– 16.jan: TRF-4 nega pedido da defesa para que Lula fosse ouvido antes que a corte determinasse sua sentença no caso tríplex, no dia 24 de janeiro. O relator João Pedro Gebran Neto argumenta que a repetição do interrogatório exigiria o reconhecimento de eventual nulidade do primeiro, tomado pelo juiz Sergio Moro.
TRF-4 (segunda instância)
– 24.jan: Lula é condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro referentes ao caso do tríplex do Guarujá
STJ (tribunal superior)
– 30.jan: O ministro Humberto Martins, do STJ, nega pedido de liminar de habeas corpus preventivo ao ex-presidente. A defesa também pede a suspensão da inelegibilidade de Lula.
STF (tribunal superior)
– 2.fev: A defesa entra com pedido de liminar de habeas corpus preventivo no STF. O ministro Edson Fachin nega.
STJ (tribunal superior)
– 6.mar: A 5ª Turma do STJ nega, por unanimidade, habeas corpus preventivo pedido pela defesa de Lula.
TRF-4 (segunda instância)
– 26.mar: O TRF-4 julga os embargos de declaração no caso tríplex e decide manter o teor da decisão que condenou o ex-presidente a 12 anos e um mês de prisão. Os recursos haviam sido apresentados no dia 20 de fevereiro.
STF (tribunal superior)
– 4.abr: Por seis votos a cinco, o STF nega pedido de habeas corpus preventivo para evitar a prisão de Lula.
STJ (tribunal superior)
– 6.abr: Após o juiz Sergio Moro expedir mandado de prisão contra o petista, o ministro do STJ Felix Fischer nega pedido de habeas corpus. O ex-presidente acaba se entregando na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba no dia seguinte.
TRF-4 (segunda instância)
– 18.abr: A 8ª Turma do TRF-4 nega, por unanimidade, os últimos recursos de Lula no caso tríplex (embargos dos embargos). Os juízes decidem não conhecer os recursos – o mérito não chega a ser analisado.
STF (tribunal superior)
– 10.mai: Ministros da segunda turma do STF negam pedido de liberdade de Lula.
STJ (tribunal superior)
– 12.jun: O ministro do STJ Felix Fischer nega pedido da defesa para suspender os efeitos da condenação de Lula até que a corte julgue o recurso especial.
STF (tribunal superior)
– 21.jun: A defesa de Lula pede ao STF para substituir a prisão em regime fechado por prisão domiciliar, ou outras medidas cautelares, caso não fosse concedida liberdade até o julgamento de seu recurso na corte. Quatro dias depois, o ministro Edson Fachin impede que o pedido seja julgado na Segunda Turma e o libera para inclusão na pauta de julgamentos do plenário. O pedido não é adicionado à pauta de agosto.