AFP
A candidata democrata à Presidência dos Estados Unidos, Hillary Clinton, telefonou para seu rival, Donald Trump, e reconheceu a derrota nas urnas, segundo a CNN. Numa reviravolta que entrará para a história como um dos maiores fiascos da indústria das sondagens, ela perdeu ontem (08) para o republicano Donald John Trump, 70, na mais polarizada disputa da história moderna americana.
Seu chefe da campanha de Hillary Clinton, John Podesta, dispensou a plateia que esperava pela democrata no Javits Center, em Nova York, na madrugada de quarta (9). Lá seria a celebração de uma vitória que não se concretizou. O público foi aconselhado a ir para a casa após o que tem sido “uma longa noite e uma longa campanha”, disse Podesta no palco em forma de mapa americano montado para receber Hillary.
Segundo seu chefe de campanha, a agora ex-presidenciável deveria se pronunciar publicamente somente pela manhã. A democrata Hillary Rodham Clinton, 69, primeira mulher a disputar a Casa Branca por um grande partido, era a favorita na maioria das pesquisas. Todas erraram.
Continua…
Há 97 anos, mulheres não podiam votar nos EUA. Nesta terça, o país contrariou todas as projeções e rejeitou uma delas para ser sua presidente, após 43 homens ocuparem o cargo ao longo de 227 anos. Hillary gosta de usar uma expressão comum nos EUA para falar dos limites impostos ao avanço feminino: um “telhado de vidro”.
Desde 2008, quando disputou e perdeu as prévias democratas para Barack Obama, ela diz tentar provocar “rachaduras” nessa barreira invisível no plano físico, mas tão real num país onde mulheres ganham em média US$ 0,64 para cada dólar faturado por homens para trabalhos similares (no Brasil é pior: US$ 0,48 para US$ 1, segundo o mesmo relatório do Fórum Econômico Mundial).
Conseguiu abrir uma fenda, após vencer nas prévias deste ano um adversário duro na queda, o senador Bernie Sanders. Mas foi barrada ao perder para Trump, que a apelidou de “Hillary Trapaceira” e a rotulou como “nasty woman” (mulher nojenta) num debate.
No centro de convenções nova-iorquino, o clima era de velório. Alguns simpatizantes saíram mais cedo. Outros choraram. Muitos, contudo, dançaram até o fim.
Hillary é reconhecida como uma das figuras políticas mais experientes e capazes que já disputaram a Presidência dos EUA, mas também de alguém que desperta ódios como poucos no país. Nascida em Chicago em 1947, ela se destacou desde cedo como ótima aluna e pelo envolvimento em atividades cívicas.
O ex-presidente Bill Clinton lembrou em julho, na convenção democrata, de como conheceu a moça “loira, de óculos grandões e sem maquiagem”, “muito apropriadamente” numa aula de direitos civis, 45 anos atrás.
Começou a se interessar por política no colegial, época em que militou no hoje rival Partido Republicano –seu pai, Hugh, simpatizava com Barry Goldwater, conservador radical que em 1964 foi repelido pela cúpula partidária, como Trump o é em 2016. A primogênita de Hugh E. Rodham chegou a trabalhar como uma “Goldwater Girl”.
Mas a luta pelos direitos civis e à oposição à Guerra do Vietnã a levaram a uma guinada para o lado democrata, em que faria carreira política até se tornar presidente.
Ela gosta de contar que, quando tinha 14 anos, conheceu Martin Luther King, e isso a mudou. “Ele não me perguntou onde eu moro, qual era minha experiência, apenas apertou [minha mão].”
Em julho, oficializada como candidata à Casa Branca, Hillary repetiu que a grande influência de sua vida foi a sua mãe, Dorothy Rodham, que cresceu na pobreza e foi abandonada pela família, mas ensinou a filha a nunca desistir. Nascida em 1919, no mesmo dia em que o Congresso passou a emenda que permitiu o voto para as mulheres no país, Dorothy morreu em 2011, quando Hillary era secretária de Estado.
A presidência do marido ficou marcada por escândalos sexuais, nos quais Hillary sempre se manteve ao seu lado. O envolvimento do ex-presidente com a estagiária da Casa Branca Monica Lewinsky levou ao processo de impeachment de Clinton por perjúrio, do qual ele seria absolvido.
Para Hillary, a perseguição foi fruto de uma “vasta conspiração de direita”, expressão que entrou no léxico político americano. Ao deixar o governo, no início do segundo mandato de Obama, Hillary tinha alta aprovação popular, mas foi daquele período que saíram alguns dos ataques mais pesados do republicano Donald Trump, seu rival na campanha presidencial de 2016.
Principalmente o uso de múltiplos servidores privados de e-mail quando chefiava a diplomacia americana, potencialmente expondo a segurança do país. Após investigação, o FBI (polícia federal) chamou sua conduta de “extremamente descuidada”, mas não viu motivos para recomendar seu indiciamento. O estrago, contudo, já estava feito.
Na madrugada de quarta, no Hotel Hilton, onde Trump marcou desde a semana passada sua “festa da vitória”, gritos de “prendam-na!” irromperam mais de uma vez na multidão. Um aliado do republicano sugeriu que ela fosse “enforcada por traição” no palco da convenção republicana, e o público foi à loucura.
O caso virou o calcanhar de Aquiles de sua campanha, colaborando para a imagem de desonesta de Hillary, compartilhada por 7 em cada 10 americanos. Ela chegou a brincar com a fama de que é fanática por privacidade. Em 2015, quando entrou para o Snapchat, rede social em que vídeos são automaticamente apagados após algumas horas, disse: “Amo aquelas mensagens que desaparecem do nada”.
Há três meses, Hillary falou no projeto “Humans of New York” sobre a percepção generalizada de que ela não era espontânea e calorosa: “Não me vejo como fria, nem meus amigos ou minha família. Mas não posso culpar quem pensa assim”.
Depois compara: “Não sou Obama, não sou Bill Clinton. Os dois se portam com uma naturalidade que a audiência adora. Aprendi que não posso ser tão passional. Amo sacudir meus braços, mas aparentemente isso assusta um pouco as pessoas. E não posso gritar. Parece-lhes muito alto, muito estridente, muito isto, muito aquilo”.